Laís Viegas de Valenzuela

Amizade não se impõe: dá-se espontaneamente

agosto 29, 2023 | by ipsislitteris.com

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Eu tenho aqui muito poucas amigas de verdade, com quem eu posso dar boas gargalhadas, dar as minhas opiniões mais sinceras, inclusive sobre a sua forma de ser ou estar, com quem posso me sentir muito à vontade, a quem posso confessar meus segredos quase inconfessáveis (aliás, eu acho que tenho mesmo poucos segredos inconfessáveis, coisas que eu não digo para ninguém, nem para mim mesma – esses devem ser bem escabrosos!).

Lembro de uma vez em que fui à Embaixada do Brasil, quando ainda era no centro da cidade, e lá conheci um rapaz brasileiro, tendo ele me convidado para tomar um café em um restaurante ou café perto de lá, sem nenhum interesse de “ligar”, como dizem aqui, só mesmo para conversar um pouco. Mas, nem me lembro da conversa, só me lembro das boas gargalhadas que demos os dois (tão altas e espontâneas, que todo mundo – “educadamente”, muito contido nesses lugares públicos, eu acho – nos olhava), como se já fôssemos velhos conhecidos e amigos. Nem soube mais o que aconteceu com ele (já nem me lembro do seu nome, e talvez já tenha voltado para a “terrinha”), como que se diluiu no tempo, perdido na bruma do espaço e na neblina do tempo… Só sei que essa conversa, de umas 2 horas, ou menos, foi uma coisa tão gostosa para os dois, que até hoje ainda me lembro, sem ter nenhuma saudade dele, nada disso! Eu estava muito apaixonada pelo meu marido, como ainda hoje estou. Nem sei se ele (o brasileiro) era casado, pois nosso interesse recíproco não ia nessa direção (quero dizer, de saber os laços que já tínhamos, para estudar “possibilidades”). Era mesmo só uma conversa de nada, de dois compatriotas que se acham “perdidos no espaço” de um país estranho! Acho que era só um encontro “cultural”, no sentido de deparar-se com uma pessoa da sua mesma cultura, em um país diferente da sua pátria!  

Não sei por que, tenho certa dificuldade de travar amizade com as pessoas mexicanas, pois sinto que não são tão próximas como as minhas amigas brasileiras (isso deve ser cultural, no sentido de conjunto de usos e costumes, não de preparo, conhecimento), se escandalizam (sem expressar) um pouco com muitas coisas, ou gostam de bisbilhotar na vida, na intimidade, na idade, nos preços das coisas, e ao mesmo tempo contar vantagens, que eu nem sei se são verdadeiras, gostam de mostrar para os outros coisas que elas não são, e a maioria só fala das coisas maravilhosas que só o México tem; ou então a “diferente” sou eu. Sou mesmo diferente, não gosto de todo mundo nem de todas as coisas nem lugares, nem das coisas referentes a eles (lugares).

Tenho duas grandes amigas aqui, com quem eu posso partilhar coisas de que falei acima, mas elas estão sempre muito ocupadas e moram muito longe de mim. Tenho algumas vizinhas, também amigas, com quem posso me relacionar bem: saímos eventualmente para “desayunar” – como chamam aqui o ato de tomar o café da manhã – elas também vêm às vezes tomar café, ou sorvete feito por mim, aqui na minha casa. Nossos encontros se tornaram mais escassos, principalmente nessa pandemia que estamos atravessando; por um lado, não saímos de casa para visitar-nos; por outro lado, o meu marido está sempre em casa, então não é uma boa oportunidade de a gente conversar uma com a outra.

Tenho muita dificuldade de dar-me bem mesmo com algumas pessoas mexicanas, embora tenha feito algumas amigas, entre as mães dos colegas do meu filho e algumas das vizinhas, que têm um pensamento mais próximo ao meu, do ponto de vista de não pensarem possuir as melhores coisas materiais nem serem puritanas, nem se escandalizarem de tudo. Mesmo assim, alguma delas não aceitava a nora, acho que só porque era nora; outra também pensava que as mulheres só se aproximavam do filho porque ele é rico, interessadas no dinheiro que ele tem.

Neste ponto, são muito diferentes de mim, porque eu gosto muito das minhas “ex-noras” e da minha “nora”, pois foram escolhidas por meu filho; acho que a minha nora atual gosta muito dele: trata-o bem e ele também gosta dela. Isso acontecia com todas as demais “noras” que eu já tive (todas elas ficam enlouquecidas por ele) e eu gostava de todas e tinha por elas um carinho especial, fossem ricas ou pobres, feias ou bonitas (eu achava todas bonitas). (Fazendo uma pequena digressão, ainda hoje me mandam parabéns no meu aniversário, ou mandam mensagens em qualquer ocasião).

Eu tenho mesmo certa dificuldade de conversar muito espontaneamente com pessoas que são muito diferentes de mim, que tenham uma diferença de vida muito acentuada, que pensam coisas demasiado superficiais e fúteis, que não são do meu interesse. Claro que eu estou numa fase em que há poucas pessoas da minha idade cronológica, e principalmente da minha idade mental; minha capacidade e meus conhecimentos e interesses são muito diferentes dos da maioria das pessoas que eu conheço, da minha geração; não posso partilhar a cultura do país com elas, porque teria que apreciar tudo que este país tem, e eu não posso fazer isso: faço algumas restrições ao país e sua cultura, comida, costumes, preferências etc., e como sou muito sincera não poderia cometer nenhuma hipocrisia. Ou então, é porque sou chata mesmo, e me permito ser, coisa inconcebível por aqui: sempre se deve mostrar o ângulo mais favorável possível para todos os demais. Não posso ser assim: eu mostro os meus ângulos verdadeiros, quer as pessoas gostem ou não, porque me dá muito trabalho viver sempre atuando, como numa peça de teatro!  

Estou também muito integrada com o meu marido (ele se inclinou um pouco pela cultura brasileira), temos interesses de lazer muito parecidos, então acho que isso afasta as minhas poucas amigas que não têm marido. Ainda não descobri em que consiste a minha grande dificuldade em ter amigas sinceras aqui; talvez seja mais aceita a hipocrisia do que a  forma franca de pensar e dizer as coisas. Sinto que meus interesses estão a anos luz da maioria, e realmente não me preocupa muito o fato de ter poucas amizades. Gosto mesmo é de escrever, coisa de que nem todo mundo gosta, nem mesmo de ler o que eu escrevo, o que eu apreciaria muito; pode às vezes despertar um pouco de inveja, sei lá. Não do que eu escrevo, simplesmente de que eu escrevo. Então, prefiro ficar na minha, para não ter que compartilhar bobagens, futilidades e grandezas com gente que só tem isso na cabeça. E nem gosto só de coisas tão sérias assim; por exemplo, agora mesmo abri por acaso uma página do face onde há uma moça que ensina maquiagem, uma coisa simples e fácil, meio fútil e até boba, com poucos produtos e pouca pintura, então me interessei. Só que ela falava muito e não pôde terminar a aula, mas isso também é o tipo de coisas que me interessam: o cuidado comigo mesma, e essa é uma faceta minha superficial e fútil, eu reconheço, e me dou esse direito.

Apesar de terem-nos (não me pergunte quem, porque eu não sei) engavetado num mesmo bloco – América Latina – somos todos muito diferentes culturalmente falando (digo aqui no sentido sociológico de conjunto de costumes, formas de ser e pensar, valores, interesses e outras coisas mais). Sinto que tenho interesses diversificados e não são só coisas superficiais, como compras de roupas e sapatos; gosto de televisão, de programas culturais, de desafios intelectuais, de ler e escrever, mas parece que aqui não encontro ninguém para compartilhar esses gostos comigo. Talvez o “meu universo” aqui seja muito diferente do meu. Na verdade, acho que nem me interesso em fazer muitas amizades. Eu sempre fui assim: de ter uma amiga ou duas, na secundária ou no científico, mesmo na faculdade, nos cursos de pós-graduação, e no mestrado, aqui no México. Tinha vários conhecidos, mas não amigos de verdade. Atualmente, um dos meus únicos amigos é o meu marido, que já me entendeu e me compreende.  

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