Laís Viegas de Valenzuela

Missiva ao Diogo Mainardi

novembro 17, 2023 | by ipsislitteris.com

Indignação contra o comentário do Diogo Mainardi, no programa Manhattan Connection.

Essa obsolescência/assincronia se deve a que eu esqueço as coisas no computador (escrevo demais, até mesmo para o meu “gasto”).

Ouvi, há muito tempo, no programa do Caio (?), quando comentaram sobre a vitória da Dilma como presidente do Brasil, em que o Caio disse: …”mas o Nordeste cresceu muito, não foi?”, e o Diogo Mainardi haver respondido, com a aquele menosprezo típico dos “seres superiores”: “Cresceu, mas só sair da miséria em que vive já é um crescimento” (não o reproduzo aqui ipsis litteris, devido a lapsos de memória), mas me chocou realmente esse desprezo ao referir-se àquela região.

Não entendo por que as pessoas nascidas em outras áreas do país (o sudeste, principalmente, que deve tanto ao esforço do trabalho nordestino dos migrantes naquela região, para construir e contribuir mesmo com aquela cidade gigante que São Paulo é hoje); eu dizia que não entendo por que os nativos do “sul maravilha” têm a insensibilidade de desprezar tanto os nascidos no nordeste, simplesmente por esse acidente geográfico (acidentes podem acontecer em muitos campos, situações e status da vida humana,  que é o nascimento). Muito me surpreende ver uma pessoa daquele nível sociocultural e econômico, como um jornalista que já galgou tantos degraus e chegou até onde está, morando no primeiro mundo – as hierarquias existem até para estratificar os diversos mundos existentes – carregado de tanto preconceito, que mais caracteriza a ignorância e o desconhecimento, e não uma pessoa culta como ele, por tratar-se – como a própria palavra indica – de um julgamento antecipado, desinformado, destituído de elementos de conhecimento, o que acho que não é o caso.

Mas, certamente é um desconhecimento sobre o Nordeste: de Recife, que foi a sede da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE), e é hoje o segundo polo de saúde do Brasil, e também o segundo polo gastronômico, só depois de São Paulo. E Fortaleza? Teresina? Maceió? Natal? Aracaju? João Pessoa? São Luís? Salvador, que, além de tudo é o celeiro da música brasileira? Todas essas são cidades nordestinas de belezas e riquezas, naturais e construídas, incomparáveis, além de terem um nível de desenvolvimento muito distante daquela miséria a que ele aludiu; a região suportou até um estaleiro e uma refinaria de petróleo, além de um parque industrial bem desenvolvido, o maior parque eólico do país, uma culinária de categoria e o melhor artesanato brasileiro (não se trata de material cafona, “próprio da região”, como se poderia pensar): são peças confeccionadas com fibras naturais, doces da mais fina classe, originais e estéticas figuras de barro, finos bordados e rendas dos mais diversos tipos e métodos de confecção, de rivalizar com os afamados e belos bordados da ilha da Madeira e também com a tão alardeada renda europeia: a de Bruxelas, às vezes preferida, porque confere mais status que a “Renascença”!

Por outro lado, essa região “miserável” foi berço de escritores, poetas, compositores, educadores, juristas e outros intelectuais. Não sei se todo mundo já ouviu falar de Castro Alves, Jorge Amado, Graciliano Ramos, Raquel de Queiroz, José Lins do Rego, Rui Barbosa, Gilberto Freire, Paulo Freire, Ariano Suassuna, João Guimarães Rosa, José de Alencar, Raquel de Queiroz, Augusto dos Anjos, Manuel Bandeira, Gregório de Matos Guerra, Aluísio de Azevedo, Gonçalves Dias, Luis da Câmara Cascudo, Artur Azevedo, Dias Gomes, Capistrano de Abreu, Nelson Rodrigues, Manuel Bandeira, Aurélio Buarque de Holanda e Bráulio Bessa, entre outros, E do Chico Anísio e do Renato Aragão, que encheram este Brasil com a graça do seu humor e o humor da sua graça? Todos eles são “paraíbas”, dos diversos estados dessa região “tão deplorável”.  Caetano Veloso, Gilberto Gil, Alceu Valença, Geraldo Azevedo, Luiz Gonzaga, Humberto Teixeira, Geraldo Vandré, Dominguinhos, Luís Gonzaga, Lenine, Gal Costa, Maria Bethânia, Elba e Zé Ramalho, Alcione, Torquato Neto, Capinam, Clara Nunes, todos esses que integram o grupo de “pobretões” desta região tão desprezada pelo Sudeste! 

A região também já deu ao nosso país 4 presidentes da República e alguns ministros (Gilberto Gil, João Paulo Veloso), e continua contribuindo.  Tem até mulher bonita, como a Adriana Lima, a Fernanda Tavares e a Miss Brasil Monalisa Alcântara, belo exemplar de beleza negra; a Martha Rocha e a Emília Correa Lima também já foram lindas representantes da beleza brasileira.

Não quero me colocar aqui na mesma postura “separatista”, fazendo aquele papel ridículo de advogar pela divisão do nosso país em duas bandas diferentes. Também adoro e conheço os intelectuais das regiões “nobres” do país, que apesar das grandes distâncias geográficas (são piores as distâncias de ordem social e moral, classista), pelas enormes dimensões do nosso país, considero também como irmãos, filhos da mesma pátria, como o Machado de Assis, o Monteiro Lobato, Lima Barreto, Lygia Fagundes, Clarice Lyspector, Rubem Fonseca, Chico Buarque, o João Ubaldo, Ziraldo, Carlos Drummond, o saudoso Millôr Fernandes (de quem tenho até uma carta-resposta e um livro autografado), o Jô (que eu via todos os dias pelo Canal Globo Internacional) e o Pedro Bial, entre outros. Felizmente, aprendi a conhecer e apreciar, sem inveja, muitos tipos de gente, principalmente aqueles que, sendo todos nossos, têm a capacidade de contribuir, da melhor maneira que podem, para um mundo melhor, sem tanta hierarquização de zona geográfica, situação social e econômica, cor ou raça, religião ou preferência sexual.

Mas, parece que estamos condenados a não poder fugir dos latigaços do preconceito classista de muitos indivíduos que, por terem tido o privilégio de estudar e pertencer a uma classe socioeconômica premiada, tratam de menosprezar e esmagar os pobres escolhidos pela “má sorte” de terem vindo à luz em uma zona geográfica desprestigiada, e são por isso vítimas do desprezo dos irmãos mais agraciados desde o berço.

Como se pode perceber, talvez pela minha maneira acertada de escrever e pela colocação lógica das minhas ideias, eu também deslizei os bancos de uma faculdade (Letras), apesar de pertencer a esse grupo que nunca vai deixar de ser originário dos “cabras da peste”, “paraíbas”, “baianos” e outros gentílicos semelhantes, e – venhamos de onde venhamos – devemos ser “tudo a mesma coisa”, segundo o conceito preconceituoso, que nos mistura todos em um mesmo saco.

O Nordeste possui indivíduos valiosos, que contribuíram muito, com o seu saber e labor, para erguer bem alto o nome do Brasil, ao prestar serviços em organismos internacionais de alto nível, como a OIT, FAO, ONU, OMS, Banco Mundial, BID e muitos outros. Para citar só alguns, menciono o Celso Furtado, Alarico José da Cunha Junior, Antonio Cabral de Andrade, Carlyle e Delile Guerra de Macedo, Nailton Santos, Milton Santos, José Sarney  e muitos outros de quem minha precária memória não consegue se lembrar. Também exerceram no seu país ilustres cargos públicos, com a mais digna responsabilidade e efetividade.

É lamentável que hoje (ou desde sempre) a qualidade das pessoas, lugares e coisas tenha sua régua de medida representada pelo dinheiro, que é um elemento tão exógeno à gente, e que foi um objeto surgido pela necessidade de obedecer a uma equivalência de troca, tendo sido depois elevado pela maioria dos indivíduos a constituir um bezerro de ouro, adorado e venerado como o mais precioso valor, que conduz quem o possui ao mais elevado dos patamares.  Por isso, o Nordeste é tão desprezado e difamado: seu patrimônio imaterial não recebe a atribuição de valor conferida ao Dom Dinheiro, que é uma coisa impermanente, que vai e vem, que está fora de nós e não nos confere nenhum outro atributo que não seja o de ser um pobre RICO, talvez lembrado depois como: “tão pobre que só tinha DINHEIRO!”

Sei que o devido destinatário não terminará de ler estes escritos, por várias razões:

  1. Está muito ocupado, para perder tempo com assuntos que não são do seu interesse.
  2. A obsolescência da sua declaração aconselha a não lhe dar mais importância e jogá-lo no cesto do lixo.
  3. É longo demais para ocupar o precioso tempo que leva ganhando o que vale a pena: dinheiro
  4. A procedência é desconhecida, e talvez se trate de algum daqueles protestos bobos e mal escritos, que nem vale a pena considerar.
  5. “Nem conheço a signatária: talvez seja uma paraíba típica, que só diz besteiras“.
  6. Outras.

Mas, espero que este escrito sirva ao menos para meditar, se for o caso voltar atrás (vale o pleonasmo: sei que ninguém jamais conseguiu voltar para a frente) e descobrir que aquela região tão miserável, que parece só ter baianos e paraíbas, cabras da peste e Padim Ciço, Menininha do Gantois, patuás e figas, também tem vozes que sabem falar aos peixes, mostrando talvez até ao mundo que cabeça não tem nada que ver com procedência geográfica, nem com quantidade de vil metal acumulado, nem com cor de pele (às vezes tem até uns/umas que saem desbotadinhos, e encontram muitas portas abertas e vão correr mundo, com a “raça” (não etnia, mas coragem) que Deus lhe deu, como eu fiz!).           

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