Laís Viegas de Valenzuela

Racismo no Brasil

novembro 21, 2023 | by ipsislitteris.com

Já escrevi com frequência sobre a bondade, a empatia, a caridade e a solidariedade do povo brasileiro, e me espanta depois saber dos atos de barbárie e crueldade de que alguns são capazes: como se pode conceber que o nosso povo, tão dotado daquelas qualidades positivas de que falamos antes, possa ser capaz de atos tão desumanos e injustificados como esse cometido contra o cidadão negro João Alberto! E num lugar tão supostamente educado e respeitador, como parece ser o Rio Grande do Sul, povoado por imigrantes e descendentes de alemães e italianos, que sempre demonstraram ser um povo de bons costumes, que vieram juntar-se aos nossos, e não uns bárbaros como agora mostraram ser alguns daquela zona! Como podem as pessoas ter a capacidade de bater em outro ser humano, e não descansar nem parar de espancar uma criatura até vê-la morta, como resultado das atrocidades cometidas em nome da segurança de um estabelecimento comercial, em que ele supostamente infringiu alguma das regras sociais de civilidade e bons costumes?

Causa-me surpresa e indignação ver que ninguém se tenha proposto a deter essas ações de atrocidade, impedindo que dois responsáveis pela segurança tenham ficado cansados até o esgotamento, para ver a sua sanha satisfeita com a capitulação do outro, só parando de demonstrar o seu poder físico e a sua sanha moral ao saberem morto um infrator das regras de convivência social. Será que nos estamos tornando tão desumanos, que não nos importemos com o trucidamento de um dos nossos irmãos por outros, em desigualdade numérica e de condições de “autoridade”, até vê-lo inerte, já sem a mínima condição de se defender, porque ousou rebelar-se contra os donos do capital ou defender seus direitos diante de algum abuso de poder?

Foi um caso lamentável, digno de muita pena, e confesso aqui que não estou muito bem informada dos motivos que levaram a essa contenda, da qual saiu vencida a parte mais fraca. Mas, acho que não há justificativa para um procedimento bárbaro como parece ter sido esse: dois seguranças da loja se arvoraram em justiceiros e espancaram até à morte um cidadão que havia entrado naquele estabelecimento comercial para fazer suas compras, acompanhado da mulher, que foi testemunha dessa barbárie tão cruel e injustificada! Não há alegação que defenda esse crime: “que ele era violento” (para que violência maior do que matar por espancamento um cidadão – negro ou branco ou de qualquer outra cor?); “que tinha passagem pela polícia” (não cabia aos dois seguranças fazer justiça com as próprias mãos); “que deu um soco em um dos policiais” (poderiam revidar ou conter essa violência, por outros meios, sem ter que chegar a um ato tão extremo: assassinar uma pessoa, seja ela quem for, em nome da defesa de uma suposta funcionária do supermercado, com quem se desentendeu).

Já tenho tido notícia de muitos fatos acontecidos ultimamente no Brasil, mas este foi um dos que mais me impressionaram: ver até que ponto a nossa população, antes tão pacata e hospitaleira, tem-se tornado um povo tão desumano e agressivo que mata por qualquer motivo, o mais irracional que seja. Essas ações me deixam triste, indignada e frustrada, sem argumentos para defender o nosso Brasil contra todas as críticas e censuras dos procedimentos da sua gente. Puxa! Onde está aquele povo tão receptivo, brincalhão e engraçado que eu conheci, quando morava aí? Será que se converteu em um povo tão sofrido, e por isso tão desumano, a ponto de não ter o escrúpulo de tirar a vida irresponsavelmente, para saciar a sua sanha de vingança, ou aproveitando essas oportunidades para descontar na vida alheia, preta e pobre, as suas frustrações econômicas e sociais, de preconceito e discriminação, sua ira e ressentimento contra os ricos e poderosos, por não poderem vingar-se contra os mesmos? Cito agora o Eduardo Cunha (que já teve tanta influência no campo político brasileiro, e agora está preso): “Deus tenha misericórdia do Brasil!” 

 Só Deus tendo misericórdia mesmo, dessa onda de preconceito e discriminação contra a raça negra.

Como diz a Gabriela (cantora e atriz negra): o racismo se manifesta de uma maneira tão sutil, tão dissimulada, que é quase impossível protestar contra ele. Como um fato acontecido com a própria Gaby: ela devia ir a alguma festa elegante, então pediu um táxi de aplicativo, dos mais elegantes que havia. Aí foi para a calçada, esperar o transporte. Viu que chegava um carro de luxo, que passou por ela e foi parar junto a uma moça branca, que também esperava na calçada. O motorista perguntou à moça se ela era a senhora Gabriela, e a moça branca respondeu que não, que o táxi não era para ela. Então, a Gabriela se aproximou e falou para o motorista: “Eu sou Gabriela, que pediu o táxi”, e entrou no carro. Mas – nas palavras dela – ia se sentindo tão mal com aquele incidente, que só ela sabia. (Isto é, ia pensando, maltratada: na mente do motorista, como poderia uma negra ter pedido um transporte daquela categoria? entre a moça branca que estava na calçada e a negra, que também estava esperando, era inconcebível que a negra tivesse aquela condição). Mas, foi um incidente tão sutil, não escancarado, que ela não podia nem revidar, pois ele não disse nada, só se comportou com racismo.

Entre as formas veladas de preconceito racial, o simples fato de não poder dizer a palavra “negro” ou “preto”, para se referir às pessoas, já denota o preconceito. Dizem “pessoas de cor” ou “morenita”, “morena”. No país onde eu moro, dizem assim.  E eu não moro na Suécia, nem na Dinamarca, Holanda ou Noruega, que só têm habitantes brancos e educados, assim penso!

Não que uma raça seja melhor do que outra, não é isso o que penso; como diz a lei: “todos são iguais perante a lei”, o que nem sempre é bem assim. Parece que há uns bem diferentes de outros, pelo tratamento que recebem diante da própria lei. Mas, isso é outro assunto, do qual possivelmente trataremos em outra oportunidade.  

Outro preconceito existente no Brasil, do qual já falamos em outro artigo, é aquele dirigido pelos sulistas aos nordestinos, sem nem mesmo considerar os nossos brilhantes poetas, escritores, compositores, cantores, professores, artistas e qualquer trabalhador de outros campos do conhecimento humano (arquitetos, engenheiros, filósofos, historiadores, antropólogos e muitos outros).

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