Talvez eu até pareça (ou essa minha ênfase excessiva seja mesmo) demasiado repetitiva, nos meus protestos contra qualquer tipo de discriminação ou preconceito, como contra a raça negra, contra a homofobia, contra os pobres, contra os nordestinos – também do Brasil – por parte dos sulistas brasileiros, mas é que me indignam todas essas espécies de “sentimento de superioridade”, manifestadas contra pessoas consideradas “inferiores”, quando isso não passa de uma forma de julgarem-se melhores – sem nenhum fundamento – do que aquelas pessoas que, muitas vezes, o que nunca tiveram foi a oportunidade de mostrar seu talento oculto, ou sua beleza escondida, ou sua inteligência obstruída, ou sua bondade e altruísmo impossibilitados por uma situação de precariedade econômica, que só as fazem ver como improdutivas ou incapazes, aos olhos de quem não passa pela mesma insuficiência.
Essas pessoas o que têm sempre, exibidas sob os mais variados tipos de precariedade, são faltas, carências de toda materialidade, oportunidade, visibilidade, ajuda, resgate, enfim qualquer espécie de vantagem ou “sorte”, coisas que quase sempre parecem estar sobrando aos da classe econômica situada na parte alta da pirâmide populacional do Brasil.
Não sei mesmo o que é que determina essas posições tão diferentes e contrapostas; isto é, não consigo vislumbrar as razões de tanta pobreza de uns nem de tanta riqueza de outros. Desconfio que não se trata de merecimento divino ou humano. Sei que famílias inteiras se mantêm materialmente abastadas, enquanto que outras sempre sobreviveram materialmente pobres.
Como se fosse um fatalismo, um determinismo das suas condições primordiais, certas famílias até parecem cultivar – como se isso representasse uma característica positiva – sua posição socioeconômica (incluo esses dois aspectos, dado que estão sempre associados: nunca conheci um miserável prestigiado nem um opulento desdenhado) durante toda a sua vida. Sei que isso de “cultivar” não é verdadeiro do lado pobre – ninguém cultiva plantas nocivas ou inúteis.
Sei que os estudiosos e especialistas consideram ou atribuem uma situação precária atual a uma posição igual ou semelhante no começo da vida de seus ancestrais: por exemplo, existe uma probabilidade de que os filhos de escravos também sejam escravos, a menos que os abolicionistas os liberem. Essa condição já não persiste nos dias de hoje, sendo até mesmo punida, quando constatada, à exceção do que sucede com aqueles desafortunados que só encontrem trabalho em condições similares a essas.
Mas, parece que a cadeia de pobreza vai-se perpetuando por toda a família e seus descendentes. Felizmente, não é tão raro assistir a indivíduos que nascem em berços carentes de qualquer vantagem econômica conseguirem resgatar suas famílias – ascendentes ou descendentes – de uma situação de penúria econômica, através da diversidade de ofícios disponíveis num mercado às vezes reservado, mas obrigado a render-se aos talentos demonstrados, como sucede com os jogadores de futebol e futebol americano, lutadores de box, cantores e até compositores.
Nos elencos de filmes e novelas, atuando como atores e atrizes, essa possibilidade nem sempre é tão aberta, e se deve às vezes a uma “mãozinha” de parentes dos que já foram escolhidos para trabalhar nesses meios, um pouco menos receptivos que os outros, mais populares e por isso um pouco mais acessíveis.
Talvez uma boa iniciativa dos governos, no sentido de tentar atingir a igualdade, haja sido mesmo a atribuição de quotas, nos trabalhos de teatro, cinema e novelas, assim como nas Universidades, dessas classes sociais e tipos raciais normalmente menos contemplados, cujo acesso seria quase completamente vedado, sem a aplicação desses sistemas. Nas Universidades, os filtros já têm que ser mais rigorosos, devido inclusive à responsabilidade do Estado de entregar – em teoria – à sociedade apenas aqueles indivíduos realmente prontos para desempenhar as atividades para as quais tiveram oportunidade de ser inseridos nos sistemas educacionais de alto nível: não se pode colocar no mercado de trabalho médicos, economistas ou professores, engenheiros, arquitetos e outros profissionais que não tenham a devida preparação, sem que isso acarretasse montanhas de gravíssimos problemas no atendimento das populações.
Também é mais difícil que a classe de mais posses materiais perca sua situação da noite para o dia, a não ser que sofra reveses persistentes nessa condição, coisa que ou não é muito provável ou dificilmente acontece. Mesmo porque, de algum modo, podem contar com a proteção ou dos parentes da mesma classe ou têm outras estratégias de preservação da fortuna, que em muitos casos só faz crescer, devido às suas possibilidades de arriscar (e, muitas vezes, ganhar), ao que aqueles outros nem de longe se podem atrever.
No primeiro caso – o dos desvalidos – não podemos negar também que certa influência de alguma defesa aqui, uma proteção acolá, produza algum efeito no sentido de constituir uma ajuda a esses desfavorecidos pela fortuna, esperando e acreditando no provérbio que diz: “água mole em pedra dura tanto bate até que fura”!
Essas opiniões não pretendem apresentar nenhuma panaceia, nem mesmo um paliativo para solucionar as condições da pobreza no país; são apenas uma forma de bradar contra as injustiças sociais – sem mesmo ser preciso – um protesto contra um problema que incomoda e machuca, se perpetua e até se agrava. É muito provável ser certa essa história de que “os ricos estão cada vez mais ricos, enquanto que os pobres ficam cada vez mais pobres”. Triste verdade, que permite que, nascidos na mesma pátria, filhos deste mesmo solo, tenham situações tão desiguais que cada vez mais aumentam o fosso existente, sem que a gente possa fazer muito para reduzi-lo! Uma espécie de choro silencioso!
RELATED POSTS
View all