Entrando num assunto muito desagradável, como o preconceito que os sulistas do Brasil têm contra os nordestinos da mesma nação: essa é uma atitude que até prejudica o país, pois é um conceito tirado do nada, como o próprio nome indica: um conceito formado antes de ter conhecimento (sobre coisas ou pessoas: um pré(vio)conceito); isso é algo que cai na mesma linha da discriminação da raça negra como inferior à branca. Aqui, não devido à cor de pele com que nasceram, mas pela situação geográfica do lugar onde nasceram.
Esse preconceito divide o país, e pega por contágio. Como podem pensar que somos inferiores a eles, só por uma razão geográfica, sem nenhum fundamento? Sem sequer considerar as mentes brilhantes da região, como todos os escritores, cientistas, professores, linguistas, poetas e escritores, economistas, profissionais competentes em todos os campos do conhecimento, além dos compositores e cantores (homens e mulheres), os valentes que defenderam os nossos territórios das tentativas de dominação estrangeira ou nacional, até mesmo das mulheres e homens belos e inteligentes que o país nos deu?
Antes de entrar no mérito da discriminação em si, convém lembrar que todos nós – à exceção, talvez, da população exclusivamente alemã que vive nos municípios dos estados sulistas – somos uma mistura de raças (o Chico Buarque disse alguma vez – com muita irreverência e ironia – que a única pessoa branca que o país tem é a Xuxa; outro, na minha opinião, é o Leandro Karnal, que é branco, louro e de olhos azuis): a negra, dos escravos africanos; a branca, dos conquistadores portugueses; e a indígena, dos habitantes da terra descoberta, sem falar na dos elementos estrangeiros que migraram para cá, provenientes da Europa, espontaneamente ou estimulados pelos governos do país.
Então, essa combinação de genes se deu das formas mais variadas possíveis: alguns saíram de tez mais clara, outros, mais bronzeados, e outros, pretos mesmo, que talvez seja a forma mais pura de raça. Mas, vejam os resultados produzidos: umas mulheres e homens belos e saudáveis, graciosos e sensuais (não falo aqui dos muito pobres, miseráveis, coitados, que não têm condições nem mesmo de alimentar-se bem, para poderem mostrar-se bonitos).
Quando os europeus (portugueses) chegaram aqui, em 1500, já encontraram na região um povo indígena, nativo, que não sabia cultivar toda esta imensidão, nem aproveitar todos os frutos da nova terra descoberta. Apesar da tentativa de catequisar os índios, através do trabalho dos padres jesuítas, essa não era uma tarefa simples nem de grande rapidez. Então, os portugueses começaram a trazer das suas colônias na África os homens e mulheres negros, como escravos, para desenvolverem os produtos da fértil lavoura, e devido à sua fortaleza físicas e sua maior capacidade de trabalho. Alguns desses portugueses se encantaram com a sensualidade da mulher negra, daí que, para nossa sorte, nós brasileiros, claros ou escuros, recebemos no sangue esse charme e essa sexualidade e, por acréscimo, esse “ouvido musical que não é normal” – do que o Caetano fala (ritmo, voz, afinação, graça na dança), que, não sei por que, a raça negra possui: dengosa, faceira, gostosa, apetitosa e dotada de gosto para o instinto reprodutivo. Isso deve ter enlouquecido os brancos – logo os portugueses, conservadores e tradicionais – que não estavam acostumados a essa liberdade de cabeça nem a essa provocação de corpo e mente (na verdade, isso é só uma especulação da minha parte, e não procede de nenhuma narração de um conteúdo histórico!).
Então, por que é que nós hoje, só por termos – alguns de nós – alisado os bancos das universidades e conseguido comprar roupas de estilistas (eu me incluo indevidamente, pois nem compro roupas de “designers” nem de lojas de luxo – na verdade, eu nem preciso delas pra me ver bem), alimentamos este preconceito contra os negros de qualquer tonalidade e essa discriminação contra qualquer dos nossos irmãos, extraídos das mesmas raças, mas de procedência natal menos nobre do que eles, por terem nascido – fruto de um acidente geográfico – em outros territórios menos abastados do mesmo país – são os nordestinos, cujo único “pecado” é terem nascido fora da parte baixa do país – geograficamente baixa, mas social e economicamente mais alta.
As pessoas que pensam assim – e muitas procedem preconceituosamente – esquecem ou desconhecem os brasileiros de valor que provêm daquelas regiões “menos nobres” e que ajudaram a construir este Brasil: fisicamente, como os candangos de Brasília, ou cultural, social e politicamente, como todos os intelectuais que compõem a elite cultural do nosso país.
Também há muita gente de valor, por seu preparo intelectual e cultural, inteligência, arte, habilidade, conhecimento, informação, humor, liberdade de cabeça, beleza, que pode até não ter fama, nem sair nos jornais nem revistas, “não ter nome”, enfim, mas estão – muitos deles -ou já estiveram compondo os quadros políticos ou parlamentares do nosso país, presidindo instituições como a SUDENE, ou só integrando os seus quadros técnicos, como economistas, sociólogos, médicos, arquitetos, geógrafos, advogados, linguistas, engenheiros, agrônomos, educadores, assim como outros irmãos de procedência nordestina, dos quais muitos estiveram e ainda estão encabeçando as listas de compositores e cantores de sucesso nacional.
Algumas dessas pessoas, tipo “Maria Ninguém”, como eu, nasceram no nordeste, e deram a sua valiosa colaboração a entidades nacionais (Sudene, universidades e Secretarias de Estado) ou internacionais: por exemplo, Carlyle Guerra de Macedo, piauiense, como Diretor da Organização Panamericana de Saúde; Alarico José da Cunha Junior, piauiense, como agrônomo da FAO e do BID, Antonio Cabral de Andrade, sergipano, na Organização Internacional do Trabalho; Celso Furtado, sergipano, no Banco Interamericano de Desenvolvimento. Nascida e criada num dos estados mais pobres e menos desenvolvidos do país – o Piauí – muito me orgulho do meu rincão e do povo de valor que ele já produziu. Faço um paralelo do meu país com outros, e posso perceber a grandeza que o nosso país possui – apesar de toda a situação crescentemente adversa (corrupção) que os poucos jornais a que eu tenho acesso divulgam estar sucedendo aí. Se os outros países fossem escavacar do mesmo jeito, a poeira levantada cobriria o universo inteiro. É até um ponto positivo essa iniciativa de procurar descobrir aí os pontos negativos das pessoas e instituições, numa tentativa, penso eu, de endireitá-las e de punir as pessoas responsáveis por essas ações e impedir que as mesmas se repitam, fazendo uma limpeza nas entidades brasileiras, a fim de torná-las sãs e confiáveis.
Não sem esforço dos meus pais, tive a privilegiada oportunidade de estudar o curso de Letras Neolatinas (como uma minoria no mundo inteiro: 2% da população mundial tiveram acesso à Universidade), também numa universidade do Nordeste, onde tive professores brasileiros excelentes, assim como bons estrangeiros, sendo muitas vezes os nativos do Brasil melhores, como docentes, do que os europeus (estudei 3 línguas estrangeiras (espanhol, francês e italiano), além de português e latim. Considero que as pessoas são únicas, independentemente da sua origem, condição econômica e social, e acho que o nosso critério para seleção das pessoas deveria ser a aceitação e valorização (artistas, professores, técnicos, pesquisadores, cientistas, atletas de todas as modalidades), segundo a sua capacidade e competência, não importa a sua procedência geográfica, inclusive até mesmo de outras nacionalidades.
Esse é realmente o critério de valor que deveria prevalecer. Vá lá que, para construir uma relação amorosa, cada um tenha seus requisitos muito pessoais (em que prevaleça só a aparência física ou a procedência, posse de bens, nível cultural e intelectual etc.), mas generalizar a procedência geográfica como meio de aceitação das pessoas é muita pobreza interior, e denota pouca cultura, assim como valores muito equivocados!
Tenho a esperança de que um dia (mas, que seja logo, para que eu possa ter o prazer de presenciar) essa desigualdade seja também superada, e que os intelectuais sulistas façam justiça e se manifestem contra essa discriminação e preconceito bobos, que não têm nenhuma razão lógica nem objetiva de ser, para destacar em seus escritos ou ditos os nordestinos intelectuais, como Ariano Suassuna, José de Alencar, Augusto dos Anjos, Raquel de Queiroz, Rui Barbosa, Castro Alves, Celso Furtado, Milton Santos, Gonçalves Dias, Álvares de Azevedo, José Lins do Rego, Jorge Amado, Guimarães Rosa, João Cabral de Melo Neto, Guimarães Rosa, Graciliano Ramos, Ferreira Goulart, precisa mais? Então, vamos lá: Caetano Veloso, Chico César, Alceu Valença, Lenine, Zé Ramalho, Fagner, Belchior, Torquato Neto, Geraldo Vandré, Geraldo Azevedo (ainda lembrei muitos, considerando que a minha mente é pequena para lembrar de tanta gente, principalmente se estou há tanto tempo fora do país, a tantos quilômetros de distância!)
Acabo de saber de um pronunciamento do governador Romeu Zema, a respeito da distribuição monetária proposta pela Reforma Tributária, em que o nordeste estaria sendo favorecido, em vez dos estados sulistas e do sudeste, tratando aquela autoridade de fazer uma associação dos estados do sudeste e do sul, para se contrapor ao nordeste e norte, talvez. Não me lembro bem dos termos usados pelo governador Zema, mas creio que ele se referiu às “vaquinhas” pouco produtivas do nordeste (não sei exatamente se referindo-se às pessoas de lá, ou mesmo aos animais bovinos de baixa produção). Seja ao que for, são palavras de pouco respeito e muito preconceito, uma forma depreciativa de chamar os seus irmãos (mesmo que ele não queira considerá-los como tais) de procedência “menos nobre” que os sulistas, só pela origem dos mesmos, da parte pobre do país; talvez pobre de bens materiais e dinheiro, mas de uma imensa riqueza cultural, musical e artística.
É uma pena esse tipo de mentalidade, que se defende atacando os demais, que se consideram excluídos desse círculo de poder e riqueza, sem pensar que o país precisa funcionar bem em toda a sua integridade, e que, se falhar uma parte, por “pequena” que seja, faz desabar toda a carruagem! Disso é que os governantes falam, quando mencionam a desigualdade que reina nesse território gigante, que não pode sustentar-se sozinho, sem a contribuição de todos os seus pedaços, muitos deles subestimados pelos que se julgam mais altos, melhores talvez, só por serem mais ricos e poderosos!
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