Laís Viegas de Valenzuela

Nem tanto ao mar…

novembro 21, 2023 | by ipsislitteris.com

É inacreditável que um país de gente verdadeira e solidária, empática e caritativa, como é o Brasil, esteja sofrendo epidemias de fraudes, corrupção, enganos, ladroagem e outras mumunhas mais. Sei disso porque, embora vivendo atualmente em outro país, vejo uns noticiários verdadeiros e francos, com jornalistas que botam a boca no trombone e falam de todos os problemas brasileiros com a maior naturalidade; noticiários como os do Brasil são difíceis de encontrar, pelo menos por aqui onde eu moro: vejo que o Brasil se vira pelo avesso, mostra todas as vísceras, as partes mais vexatórias de visibilidade do nosso organismo. Neste caso, quando eu falo de virar-se pelo avesso e mostrar as suas imagens menos exibíveis e agradáveis, estou me referindo, entre outras coisas, à exposição da desigualdade brasileira, que consiste em apresentar – tanto em imagens quanto em números e declarações – todas as falhas e mazelas do nosso Brasil, revelando tanto a feiúra do nosso lado pobre quanto os dados referentes a essa situação; quero dizer que os jornalistas expõem o nosso lado menos agradável para mostrar a todo mundo – algo assim como lavar roupa suja na rua, diante de todas as pessoas. Não vejo, na maioria dos outros países, sinceridade e exposição tão grandes quanto as nossas. Eu sei, por ouvir dizer de algumas pessoas, ou por artigos escritos de outros países, que os países latino-americanos têm uma população altíssima – de uns 60 por cento, segundo declaram – no nível extremo de pobreza, e que a pobreza tem crescido numa proporção assustadora de cada PIB, mostrando dados estatísticos para confirmar essas declarações, mas os próprios noticiários não dão conta desse tipo de notícias. Nunca vi na televisão o retrato pelo avesso dos bairros miseráveis daqui, só aparecem quase os de classe alta na televisão.  Falam, é verdade, de assassinatos e brigas, entre vizinhos ou entre gangues de bandidos matando-se, mas nunca a exposição a que o Brasil se permite. No Brasil, falam da desigualdade entre as pessoas, entre as crianças, os escolares, mostrando fotos quase impublicáveis das condições precárias de saneamento básico e moradia, que acredito serem aqui iguais ou muito parecidas: casebres demasiado inóspitos e desconfortáveis, feitos do material que encontram à mão: folhas de plástico e papelão, folhas de flandres; mostram esgotos sujos escorrendo nos lugares por onde deveria passar um saneamento básico decente, com redes de esgotos sanitários. As pessoas, feias de pobreza e de tristeza, de falta de recursos para mostrar a beleza que algumas delas poderiam ter. Quem pode preocupar-se em ser bonito, preocupado com a fome que açoita o país, com os filhos magros e barrigudos, de comer porcarias, ou tudo o que encontram, sem poder selecionar o que comer? Em outros países, tudo é diferente: tudo parece ser de fachada, só se exibe o que é mostrável e digno de elogios! A baixeza é escondida. Por isso, eu tenho tanta dificuldade de fazer doações ou atos de caridade, pois não vejo pobres na rua, devem estar todos ocultos em seus bairros pobres e miseráveis, então não me surge, como com os brasileiros, aquela comoção e pena, tão grandes que me dão vontade de chorar e me levam ao impulso de ajudar (mas, o que me impossibilita é o valor que eu teria que pagar pelo pouco que posso dar, acrescido ainda de um dinheirão em comissões bancárias, além do próprio capital pretendido convertido e reconvertido de moeda a moeda). Por isso, me resigno só a ter pena e lamentar.

O povo brasileiro é aberto demais, para bem e para mal: todo mundo sabe quando as pessoas estão sofrendo, porque lá, na minha querida pátria, ninguém cala nada, mostram tudo, e a imagem que eu tenho é essa: de virar-se pelo avesso, tanto as pessoas como o país, como se vira um vestido, uma ave que se vai cozinhar ou dissecar, isto é: os problemas são literalmente escancarados. Acho que nenhuma das posições é boa: nem tanto ao mar nem tanto à terra. Acho que um pouco de crítica ao próprio berço é desejável, como também um pouco mais de prudência ao mostrar as desgraças do próprio solo pátrio seria mais conveniente, principalmente publicadas em um canal de televisão de alcance internacional.

Esta é uma forte razão pela qual eu não  sinto aqui esse impulso de fazer caridade: acho que a pobreza deve estar escondida, porque sei que pobreza existe, mas eu não sei onde está metida. E eu aqui nem moro em um bairro de classe alta, como são os desplantes de grandeza observados; sei que meu bairro tampouco é tão pobre; antes, era desprezado pela maioria da população, mas como a família do meu marido morava por aqui – e eles estão longe de serem de baixa categoria, nem social nem econômica, nem de educação doméstica baixa: meu sogro era engenheiro civil, e todos os filhos homens também estudaram; meu marido é um brilhante advogado, meus cunhados são biólogo e contador, respectivamente – eu escolhi ficar morando no mesmo bairro; mas, voltando à pobreza do país, eu nunca me deparo com pessoas em grau de necessidade como os desamparados do Brasil. Por isso, não tenho a compaixão que tenho pelos pobres do Brasil, que se mostram em toda a sua franca nudez, tais como são, em qualquer parte da cidade.  Não é simplesmente que no Brasil a pobreza seja ostensiva: os pobres vão à rua porque são empregadas domésticas, babás, pedreiros, engraxates, carregadores, padeiros, encanadores, estofadores, marceneiros, guardas noturnos e os demais enumerados no “Brejo da Cruz”, do Chico Buarque (baleiros e garçons), e têm que procurar trabalho onde estão as suas fontes de emprego ou renda: aquelas que precisam dessas atividades e que as podem pagar. Mas, essas pessoas nem são as de pior condição econômica: se são empregadas, ganham algum dinheiro com que possam manter suas famílias. Eu me refiro à pobreza extrema, ao alto grau de miséria que sei também existir aqui. Acho que essas pessoas não saem (vão fazer o que na rua?). Devem ficar só em casa, escondidos em casa com seus filhos feios e raquíticos pela inanição. Mas, como eu também não saio e, menos, vou à periferia miserável que a cidade deve ter, e onde os esconde, não vejo esse tipo de gente, que no Brasil é mostrada na televisão como exemplos do submundo, como objeto da caridade e da compaixão do governo, das carências básicas da população, coisa que aqui não é revelada com tanta exposição quanto no nosso país!     

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