
Com licença, Jô Soares! Obrigada!
Vou publicar esta paródia do poema IF, de Rudyard Kipling, escrita pelo nosso querido Jô Soares, um dos maiores intelectuais e humoristas do nosso país, e cuja ausência nos fez tanta falta, pela graça que tinha a capacidade de produzir, e pelo senso de humor que fazia todos os brasileiros rirem às gargalhadas; esses versos já foram feitos há alguns anos, mas continuam completamente atuais, tão vigentes nestes tempos de penúrias no nosso querido país, como se tivessem sido escritos hoje. Só é preciso mesmo atualizar as doenças (de malária e escorbuto para Zika e Chikungunya) e os cruzeiros para reais. Lembrar que essa paródia é dos tempos do Fernando Collor, em cujo governo o Jô também parodiou o nosso poeta Gonçalves Dias (na sua Canção do Exílio) com a sua “Saudade da Casa da Dinda”!
JÔ SOARES
RELEMBRANDO KIPLING
Se tu consegues conservar a calma
ao ler diariamente o teu jornal
e mesmo que te aperte e doa a alma
tu vais para o trabalho habitual;
se ao ver que aumenta sempre a ladroeira
consegues mesmo assim ter paciência
até quando é bem grande a roubalheira
como nas fraudes, lá da Previdência;
Se, estoico, enfrentas filas na calçada
só para ser tratado no instituto
e chegas cedo, bem de madrugada,
sofrendo de malária ou de escorbuto;
se adquiriste tua habitação
com auxílio do governo, em crediário,
e pagas, sem queixume, a prestação,
que reajusta mais que o teu salário;
Se tudo aumenta um pouco em toda parte
e sobe o preço do supermercado,
mas tu resistes bravamente ao enfarte
enquanto teu salário é congelado;
se após a tua luta rotineira
em busca dos cruzeiros tão sofridos
tu voltas para casa, é quinta-feira,
e assistes ao horário dos partidos;
Se votas para um novo presidente
com fé e uma esperança renovada
e no primeiro dia, ainda contente,
tens logo tua poupança confiscada,
mas segues assim mesmo confiante
sem reclamar, sem queixas, sem muxoxo
apenas porque o novo governante
aos gritos, diz que tem aquilo roxo;
Se aguentas tudo isso e lá no fundo,
mesmo explorado, exausto e sem dinheiro,
pensas que este é o melhor lugar do mundo,
não és louco, não, meu filho: és brasileiro!
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