Hoje, eu estava sentada ao computador, escrevendo algumas reminiscências minhas, quando o telefone tocou. Atendi, e era uma moça, muito educada, que me oferecia os serviços de uma funerária, tendo dado uma descrição muito minuciosa e objetiva dos serviços oferecidos, como quem descreve o oferecimento de um salão de festas, onde você pode contar com todas as vantagens para promover uma festa “de arromba”, sem nenhum tipo de preocupação, pois eles se encarregam de tudo; mencionou até que dispunham de um café nas instalações, onde os familiares do morto podiam desfrutar de momentos de lazer, bem mais agradáveis que aqueles próprios de estar em um velório, seja o morto velho ou novo, pobre ou rico, muito ou pouco instruído, parente, amigo ou apenas conhecido.
Muito bem explicado o atendimento, inclusive a questão da maquiagem do morto, de que – confesso – já não me lembro bem, e atribuo honestamente isso às minhas atuais falhas de memória. Fiquei surpresa com a facilidade e precisão com que a moça discorria sobre o assunto, sem gaguejar nem titubear, como o que de fato representava a essência do que a empresa oferece: os serviços de um negócio, inclusive facilitando a forma de pagamento (para os parentes, claro), em 3, 6, 9 ou 12 meses (já não sou tão confiável quanto antes, em matéria de números). Fabuloso! Uma oportunidade única, digo eu (principalmente para quem já está a ponto de ser enterrado ou cremado), mas foi esse também um aspecto mencionado pela funcionária.
Fiquei pensando em como as coisas estão diferentes do que a minha memória me permite lembrar. Não sei se é só pela mudança de país, onde eu estou tão desmemoriada do que acontecia no meu querido Brasil, que tudo aqui me surpreende: já não há mortes como antigamente. Hoje, tudo é prático, já existe uma esquematização preparada para tudo, até mesmo em uma situação para a qual a gente nunca está preparada. Pasmem! Esse tipo de coisa já é considerado até como uma alternativa de presente: tenho uma amiga que comprou para ela mesma um “pacote” desses, e depois, quando o marido morreu, aproveitou a compra e deu de “presente” pra ele (como se aos mortos ainda interessassem presentes), assim como quem dá uma camisa, uma gravata, ou até um carro novo (dados os preços astronômicos desse tipo de serviço, podem ser comparados a mercadorias de preço exorbitante, como um carro ou acho que até um avião).
Admito que estou muito pouco prática e obsoleta em meus valores e costumes: jamais passaria por esta cabeça branca que a morte pudesse ser objeto de negócio, e menos ainda de uma hierarquia de negócio: os negócios de mais sucesso financeiro são reservados para os clientes ricos (dizem que a morte iguala todos, mas acho que isso não é verdade), enquanto aqueles que menos possuem vão a outras funerárias de mais “baixa classe”, isso sem falar que os pobres mesmo são velados em casa (já nem sei bem).
Antes, também os aniversários eram festejados na própria casa do aniversariante e não em salões de festa especialmente contratados para o evento; os presentes eram dados segundo as posses e vontade de cada pessoa, e a amizade que tinham com os pais ou com os próprios celebrados; hoje, colocam-se “mesas de presentes” nas lojas mais elegantes da cidade, às quais os convidados comparecem para escolher o que presentearão, de acordo com o que foi pedido por eles ou pelos pais. Isso também sucede com os casamentos: você não dá o que pensou presentear, nem só de acordo com as suas posses, mas o que os noivos estabeleceram como desejados ou necessários para eles. Há pessoas que consideram isso de uma grande praticidade, pois dão aos nubentes e aniversariantes exatamente as coisas que eles querem.
Embora a contragosto, eu já me conformo e me adapto a essa “praticidade”, inclusive para não ir de loja em loja procurando e imaginando o que agradaria aos novos construtores de lares, mas acho meio “comercial” essa modalidade, que inclui também a possibilidade de trocar o presente que você deu, se a algum dos noivos não lhe agradar o escolhido.
Mas, só tenho um consolo: como já estou quase prestes a “embarcar com destino final”, não me obrigarei sempre a todos esses costumes modernos e certeiros por tanto tempo assim. Na maioria das vezes, permito que o meu gosto (e o meu bolso também) prevaleçam, e desfruto muito com o presente que escolhi, de acordo com a minha estética e a ideia do que eu considero necessário.
Quanto ao funeral, confesso que não tenho muita preocupação com isso (irresponsabilidade, será?), então vou deixar para pensar nisso mais adiante (quando?), para ver o que resolvo fazer com este corpo, quando não servir mais para nada, acho que nem mesmo para uma doação de órgãos que já não funcionam tão bem, uma vista meio turva, ouvidos nem tão aguçados, e nem sei que mais…
Francamente, é um evento que ainda me parece tão distante (?) que a minha inconsequência não admite nem falar dele, discutindo objetivamente com alguém responsável (meu marido), para não deixá-lo tão atarantado como acho que eu ficaria…
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