Nunca vi uma velha tão ocupada quanto eu: ainda trabalho, e há dias em que chegam traduções para eu fazer, então faço e entrego; dependendo do tamanho, levo de 2 ou até 10 dias para traduzir. Quando não é o trabalho em si, é a burocracia a ele vinculada: mandar na data esperada, elaborar o recibo, obedecendo a todos os requisitos de imposto da Fazenda, anotar as informações em um caderno, como data de chegada, nome do cliente, que língua traduzir a qual outra, nome do documento, número de palavras traduzidas, preço. Depois, preciso mandar recibo ao cliente, verificar se já foi pago: abrir o celular, o aplicativo do token, meu código de 8 dígitos, a lista das contas pagas/recebidas, mandar aviso de recebido, agradecimentos, e anotação. Aí, preciso anotar no caderno quando o trabalho for pago. Uff!!!
Essa lenga-lenga toda é só para mostrar que o trabalho independente não se limita à atividade em si, mas também a toda a burocracia que ela implica, e que também é composta de coisas chatas e às vezes complicadas de realizar, como fazer o controle dos clientes que me devem, para mandar cobrar. Tudo isso se destina a atender aos requisitos do órgão competente do Governo do país (Hacienda), que sempre quer ver cumpridas suas exigências de prestação de contas dos trabalhadores, sejam autônomos – como é o meu caso – ou empregados.
Outra responsabilidade minha é que tenho três cartões de crédito para pagar, em datas diferentes, que pago através do meu aplicativo token, percorrendo o mesmo caminho já mencionado, para transferir o pagamento, a cada uma das três contas, nos dias respectivos.
Fora isso, há uns meses tive que mover o meu (pouco) dinheiro de uma conta para outra; são duas contas diferentes, com dois códigos diferentes, situação em que não podem se comunicar uma com a outra. Já não vou contar o que me aconteceu para poder arrumar tudo isso, porque me dá até preguiça mental.
Ainda faço ginástica, obrigatoriamente por meia hora, tenho que dar uma “luz” na cozinha, isto é, dizer à empregada qual é a carne que ela deve tirar do congelador para fazer pro almoço, como fazê-la etc. (acho que já é sabido por todos que eu não gosto de cozinhar e, felizmente, tenho uma pessoa que faz isso).
Isso, sem contar que, de vez em quando, me pinto (os olhos, a boca, sobrancelhas), para melhorar um pouco aquela cara amassada do dia anterior (ou de todo o tempo anterior a hoje), e mais ainda aquelas marcas que o tempo insiste em deixar gravadas para sempre.
Também, de vez em quando, faço um bolinho, um pudim, sorvete ou biscoitinhos para a nossa sobremesa. Tive a esperança de descansar quando eu ficasse velha, mas continuo trabalhando como uma pessoa nova! Na verdade, não conheço uma velha mais ocupada do que eu!
Mas, tenho as minhas compensações: a minha velhice não está sendo tão cruel, como eu alguma vez poderia ter imaginado (acho que nunca nem pensei exatamente assim): estou ótima com o meu Alberto, que também é ótimo comigo (humildmente, confesso que escolhi bem!). Existe coisa melhor na vida, do que estar bem com o seu companheiro, nesta avançada idade, e em um mundo cheio de desencontros, desamores, desafetos e outras mumunhas mais? Moro numa casa ótima, que pode não ser a melhor do mundo; claro que não é – mas eu adoro morar nela, e não sinto falta de nada para viver bem. Decorei-a da melhor maneira que consegui (e até sou boa decoradora!), para deixá-la bem ao meu gosto e do meu marido, e ainda hoje gosto de como ela está, com as trocas eventuais que faço na decoração. Só sinto falta dos meus filhos, que moram cada um em uma cidade diferente, meio desgarrados de mim, ou mesmo apenas em outra casa que não a minha, de qualquer jeito longe do “ninho”; tenho um trabalho remunerado, que pode não ser a melhor remuneração do mundo – certamente não é – mas pra mim é ótima (sou tradutora), tenho dinheiro pra fazer tudo que eu quero, comprar as pequenas coisas de que eu preciso, ou só mesmo o que eu quero, que é quase nada! Faço meus sorvetes, bolos, biscoitos, quando quero, escrevo quando quero, sou livre, independente, faço o que eu quero (o que eu não faço é porque não quero fazer). Sei de tanta gente que se sente infeliz ou insatisfeita, quando eu… Bom, mas eu ia dizendo que minha velhice é quase ótima! (o único problema é o próprio progresso inexorável do tempo) Só que, ocasionalmente, ela me faz esquecer várias coisas e formas de escrever que eu queria ainda ter, como tinha antes. Vi hoje umas coisas de 2016, escritas por mim, umas coisinhas tão bonitinhas, como: que o Brasil precisa do socorro de todos os anjos do céu e de toda a corte celestial dos santos, para sair bem dessa pandemia e dessa administração maluca do Bolsonaro, que está acabando com o nosso país.
Não sei se isso tudo é “culpa” do Bolsonaro, se é pelo menos indireta, que o nosso povo esteja assim tão amargurado, pobre, com fome, desonesto, cruel, desumano, cheio de falcatruas, que são de fazer vergonha a qualquer pessoa; nem precisa ser como eu, honesta a toda prova, para ficar se sentindo envergonhada do berço que teve (o berço a que me refiro é o país; da minha família, eu só tenho do que me sentir orgulhosa dos pais que tive, e – por que não? – dos meus irmãos). Mas, eu estou me sentindo tão mal, com tanta vergonha do meu povo, que já não é mais aquele que eu conheci. Não posso nem contar os atos de barbárie, de ladroagem, de maldade, de crueldade, que me deixam muito corada de horror (ainda consegui falar de alguns!) E morro de pena das pessoas que passam fome! Eu queria voltar as rodas do tempo, para chegar àquele tempo simples, em que ninguém queria ter tanto dinheiro, em que as pessoas eram francas e honestas, honradas, como eu sou. Parece que agora o dinheiro chegou para todo mundo, pois até eu tenho um dinheiro que nunca imaginei ter! O que acabou foi a vergonha: as pessoas agora não se importam mais de cometer as maiores infâmias, contanto que fiquem ricas, milionárias. Por que a gente tem que mudar de conduta e caráter, quando muda de situação? Eu nunca fui rica, nem quero ser, mas tenho dinheiro suficiente para viver uma vida de princesa, quase! Para que quero mais? Eu só queria voltar a ter aquelas ideias tão bonitinhas que eu sabia expressar com belas metáforas, ou outras figuras bem agradáveis pra quem lê. Queria também poder dividir com o meu povo uma parte do dinheiro que eu ganhei aqui. Não acho que seja “ingratidão” eu não querer dividir todo o dinheiro que ganhei aqui com o povo daqui, que para mim é tão estranho, e tão pouco humilde! Falo das pessoas bem pobres, das que realmente precisam, mas eu não tenho a caridade nem a empatia de oferecer para elas os meus tostões, ganhos com a minha inteligência e o meu preparo e o meu esforço, a minha habilidade e a minha disposição para trabalhar, porque não vejo pessoas assim, como a minha gente, meus pobres do Brasil, que são humildes de condição e de atitude, coitados!
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