Laís Viegas de Valenzuela

Educação doméstica

setembro 25, 2023 | by ipsislitteris.com

Não venho aqui protestar contra algum tipo de severa obediência a estritas regras sociais, que poderiam indicar uma espécie de escravidão a essas normas, no sentido de sentir-se obrigado a oferecer sempre uma imagem social perfeita e conquistar a aceitação de todo mundo, como uma pessoa que se subordina às mesmas, como um robô que obedece a todos os comandos sociais.

Essa atitude está na mesma linha de quem faz ou deixa de fazer alguma coisa, pensando no que os demais diriam, quando o mais importante é agir ou deixar de fazê-lo de certa maneira, porque isso parte do nosso critério, da nossa consciência de não desrespeitar os demais e de sentir-se mal com você mesmo, mas não por representar uma mera agressão das normas sociais.  O respeito aos outros deveria ser o principal cuidado de todo mundo; não aquele respeito humano que poderia às vezes indicar temor ou servilismo, mas um reconhecimento da consideração que todo mundo merece, e até constitui uma possibilidade de convivência com os outros.

Um excessivo acatamento das regras ditadas, implícita ou expressamente, pela sociedade, no sentido de procurar aparecer como o modelo ideal, zelando só por manter as aparências, pode anular a autenticidade, a naturalidade e a espontaneidade, e até mesmo a liberdade do indivíduo.

Além disso, nada é mais desagradável do que conviver – mesmo acidental ou ocasionalmente – com alguém que revela uma artificialidade de educação que vai contra todas as regras de convivência, e faz você sentir-se “pisando em cascas de ovos” tratando com ela, sentindo no ar um procedimento de clara falsidade, ou um excesso de procedimento estudado.   

As normas sociais são variáveis no tempo e no espaço – isto é, o que prevaleceu durante algum tempo como “de bom tom” pode já não estar vigente, assim como o que é válido para algumas sociedades pode não sê-lo para outras. Também variam de acordo com as ocasiões, algumas exigindo mais formalidade que outras.

Costumes tais como tirar o sapato na intimidade de uma casa familiar, botar o pé em cima da mesa de centro da sua própria casa, ou lamber os dedos ocasionalmente, colocar os cotovelos em cima da mesa, entrar e sair sem ter que pedir licença não têm a mesma gravidade em todas as ocasiões ou lugares.  Em alguns, em que a sociedade é mais formal e menos flexível, esses gestos de informalidade podem ser tomados como absoluta “falta de educação”, enquanto que outras condutas muito mais graves e que invadem o terreno alheio são tolerados nessa mesma sociedade formal que censura os costumes liberais (muito mais “graves” me parecem jogar lixo na rua, deixar resíduos em frente à casa dos outros – tais como garrafas ou embalagens vazias de comida, excrementos de seus  cachorros ou gatos, ou simplesmente deixar que esses animais façam suas necessidades nas calçadas alheias), abandonar galhos e ramos de jardim nas esquinas alheias (como frequentemente me acontecia, na colônia em que moro, na esquina da minha casa), quando os donos da casa e  demais pessoas têm o cuidado e o esforço por manter suas casas sempre limpas. Isto, sim, constitui uma agressão e um desrespeito aos outros, e fere, incomoda, agride e provoca!

Na verdade, alguns desses gestos menos formais o que indicam com frequência é que a pessoa se sente livre de fazer o que tem vontade, sentindo-se num ambiente de confiança, onde pode agir com espontaneidade, como seus impulsos mandam – desde que não invadam o direito e o respeito aos demais – sem se acorrentar a severas regras sociais, que muitas vezes nem cabem na situação.

Então, antes de rotularmos alguém de mal educado(a), é preciso analisar as circunstâncias desse ato “reprovável” e a cultura a que pertence o indivíduo censurado; como já dissemos, há sociedades mais convencionais e rígidas, assim como outras mais flexíveis e espontâneas – o mais importante é, se do ponto de vista de um critério razoável, essa conduta constitui ou não um desrespeito às pessoas.

Não queremos com isto fazer a apologia da absoluta ausência de educação social, porque isso também cairia com toda a probabilidade na falta de respeito e de princípios, que aqui queremos defender. Só pretendemos falar em favor da espontaneidade, da autenticidade e da liberdade que devem prevalecer na conduta humana, mesmo na conduta do indivíduo como ser social, sem infringir o direito e a liberdade alheios.   

A intenção é principalmente alertar para os comportamentos, gestos, condutas, pronunciamentos e outras formas de ser, que ferem, infringem, violentam e incomodam ou invadem o campo dos outros.  Agora, muito mais importante do que ter o cuidado de não tirar o sapato na rua, falar alto ou colocar os cotovelos na mesa é preocupar-se em exercer a própria liberdade, agir com espontaneidade e conduzir-se com autenticidade, não invadindo nunca – consciente e voluntariamente – o terreno dos outros. 

É muito válida a postura de quem, mesmo sendo conhecedor dos manuais de instrução e conduta social, faz a opção por manter uma atitude mais natural, e se atreve a infringir a rigidez da cartilha de boas maneiras; analise só se a sua liberdade não estará invadindo o espaço alheio!

Como uma opção pessoal, a gente pode optar por não obedecer em sua conduta a todas as regras sociais, se preferir a espontaneidade de proceder; basta saber conduzir-se razoavelmente entre as pessoas, em qualquer lugar; mover-se livremente no seu espaço, seguindo as normas de consideração aos demais, a menos que você esteja num ambiente obrigado ao mais rigoroso acatamento de normas rígidas. Aí, ou comparece a esses lugares e procura cumprir esses requisitos severos, ou então não vai a esses ambientes cuja conduta lhe constrange, a menos que a ocasião requeira que você esteja presente, como solidariedade ou apoio às pessoas a quem você não pode faltar.

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