Laís Viegas de Valenzuela

Racismo regional

janeiro 16, 2024 | by ipsislitteris.com

Este é outro artigo escrito pelo meu irmão, que – além de ter graça – tem sensibilidade para perceber quando as pessoas querem machucá-lo, diminuí-lo sem razão – porque ele é também muito competente na sua profissão de engenheiro. Quando isso acontece, ele não se deixa ser pisado, como eu também!

Foi um episódio que lhe aconteceu num curso em São Paulo (vocês já devem saber que ele é nordestino, como eu). Agora, deixo-o com a palavra, para narrar como o fato sucedeu.

“Laís,
Li seu post sobre racismo. Encontrei ali um caso de “racismo
racial” ocorrido no Rio Grande do Sul e uma referência ao “racismo
regional” muito comum no Brasil. Este segundo conceito, trouxe-me
à lembrança um fato ocorrido quando fiz um curso em São Paulo,
frequentado também por sulistas, um dos quais orgulhoso professor
de uma famosa Universidade do Rio Grande do Sul. Lembro que fui
por ele discriminado (“racismo regional”). Não funcionou muito bem
para ele, mas, assim mesmo, dei-lhe o troco. Usei, para isso, de
um certo preconceito-revide (falso, como todo preconceito) que
circula nas galhofas do resto do Brasil a respeito da macheza
daquela região (aguçado agora pelo fato de o Governador eleito do
RS ser assumidamente gay):
Racismo Regional
O curso era de Eletrônica Digital. Eu achei que, embora engenheiro
eletrônico, eu precisava fazer esse curso porque, na minha época
de Escola de Engenharia a eletrônica não era ainda tão digital
como passou a ser em 1971, ano em me formei e ano em que foram
inventados os microprocessadores, o que mudou toda a Engenharia
Eletrônica (quase jogando fora tudo que aprendi na Escola). Na
época do curso, eu já havia aprendido um bocado e estava
desenvolvendo coisas aqui em Pernambuco usando microprocessadores
(dentre os mais avançados daquela época) na malfadada
Intertecnica, o que era inimaginável para um orgulhoso professor
Gaúcho.
Um belo dia, nas rodas de conversa, antes da aula, para não
parecer diminuído por estar aluno de um curso (básico) de
Eletrônica Digital, o aluno-professor comentava:
-Deste curso, o que me interessa é só a parte de
microprocessadores.
Dando a entender que já sabia, como professor que era, de toda a
parte básica de Digital.
Eu, então, comentei com ele:
-Acho que neste curso não vamos ver microprocessadores.
O comentário lhe entrou por um ouvido e saiu pelo outro pois ele
continuou a falar para a plateia, como se eu nem estivesse ali:
-Estou interessado mesmo é em literatura sobre microprocessadores.
Eu já tinha estudado um bocado sobre o assunto, trabalhava com
microprocessadores e conhecia um bom livro. Comentei então:
-Existe um livro muito bom, do mesmo autor do livro de Eletrônica
Digital que este curso nos forneceu.
Desta vez, o “racismo regional” não fez a frase lhe entrar por um
ouvido e sair pelo outro pois ele reagiu rispidamente, aborrecido
com aquele ignorante nordestino que ousava verborragizar-lhe algum
conhecimento.
-Não me interessa informação desses livros! Quero algo mais
profundo, direto.
Ao que eu lhe respondi:
-Algo mais direto você só vai encontrar em manuais de fabricantes.
Nesse instante entrou o professor do curso, interrompendo a
conversa. O Gaúcho então lhe dirigiu de imediato a pergunta:
-Professor, quando vamos começar a estudar microprocessadores?
Ao que o professor respondeu:
-Não vamos. Neste curso não vamos ver microprocessadores.
Meio desapontado com a confirmação da suspeita que eu já lhe havia
externado, o professor-aluno Gaúcho continuou:

E onde eu encontro boa literatura a respeito?
-Existe um livro muito bom, do mesmo autor desse livro de
Eletrônica Digital que nosso curso lhe forneceu. Respondeu de
bate-pronto o professor
(parecia até ter ouvido nossa conversa – não tinha ouvido!).
O Gaúcho então reagiu:
-Não! Eu não queria informação de livro. Queria algo mais
detalhado, mais direto.
A resposta do professor foi imediata:
-Algo mais detalhado, mais direto, você só vai encontrar em manuais de fabricantes. (Bingo!)

(O “racismo regional” flopou!)

O troco (“preconceito-revide” ou “racismo-reverso”)

Alguns dias depois, estávamos todos na pândega do intervalo do cafezinho. Dizia, bem alto, o Gaúcho a respeito do café quentíssimo servido em copinhos de plástico:

Que café mais quentê, tchê! Acaba com dois terços da virilidade da gentê!

Falava em tom de chiste, com seu forte sotaque gaúcho. E explicava ao seu público curioso:

– Queima os dedos e a língua!

O “racismo-reverso” de repente envenenou meu cérebro e minha língua lhe soltou o troco:

– Cuidado! Se você soltar um pum, vai embora o resto!

(Aqui, estou usando um eufemismo em respeito a susceptibilidades mais aguçadas, mas lá, na hora, usei mesmo foi a palavra chula “p**dar” em lugar de “soltar um pum”)

Desta vez, todos me ouviram.

Nem precisei explicar o quê lhe queimaria.

Só ele (meio constrangido) não caiu na gargalhada!

—————————

(Bingo!: “racismo reverso”)

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