Laís Viegas de Valenzuela

A FORÇA DAS MULHERES

outubro 2, 2024 | by ipsislitteris.com

Num momento histórico em que a proteção e respeito à mulher estão muito presentes nas preocupações políticos e sociais de todo o planeta, é oportuno falar de uma história – por poucos conhecida – de uma mulher que chegou a ser rainha de outro país que não o seu e a influenciar a cultura e a vida de uma nação considerada por todos muito mais poderosa do que o seu pequeno Portugal.

Estou falando de CATARINA HENRIQUETA DE PORTUGAL    

Catarina Henriqueta de Bragança foi Rainha consorte do Reino da Inglaterra, da Escócia e da Irlanda (1662 a 1685), como esposa do Rei Carlos II.

A Infanta Catarina nasceu em 1638, em Vila Viçosa, Portugal, e era filha do rei D. João IV, o Restaurador, e de Luísa de Gusmão; seu irmão D. Afonso VI também foi rei daquele país.

Ela era membro da casa de Bragança, a mais nobre casa de Portugal, que se tornou casa real, depois que João, seu pai, foi proclamado rei como João IV, após a deposição da Casa de Habsburgo. Por contrato nupcial declarado por sua mãe – a rainha regente D. Luísa de Gusmão, já então viúva de D. João IV – Catarina casou-se em 1662 com o Rei Carlos II da Inglaterra, com quem viveu até 1685. Não foi uma rainha popular na Inglaterra, pois não teve descendência, e era católica (quando a religião da monarquia inglesa era anglicana) – o que a impediu de ser coroada.

Foi uma infanta nascida e criada no seio de uma família ilustrada e culta; educada nos costumes e hábitos tradicionais portugueses, com toda a razão exerceria uma forte influência na nação inglesa que, apesar da fina educação e cultura da dama portuguesa, não a acolheu muito bem, tendo ela sempre sido hostilizada por ser diferente. Entretanto, ela nunca desistiu da sua forma de ser e teve um papel importantíssimo na modernização da Inglaterra e na alteração da filosofia de vida dos ingleses, que – contrariamente ao que alguns escritores e cineastas procuram fazer crer – era uma nação rude e atrasada em relação ao resto da Europa. Entre muitos hábitos e práticas que ela levou para a Inglaterra, Catarina foi responsável pelo hábito que veio para ficar – a introdução do chá naquele país, fazendo com que aqueles que a criticavam passassem, em breve, a imitá-la.

 O chá, natural da China, foi introduzido na Europa pelos portugueses, no século XVI. Assim, foi um hábito que Catarina levou de casa e continuou na Inglaterra, onde organizava reuniões de senhoras, no meio da tarde, momento em que bebiam a elegante e famosa infusão. Apesar de o chá já existir na Inglaterra, propagado pelos holandeses – que o comerciavam como cura para tudo – foi a rainha portuguesa quem o transformou na “instituição” que os ingleses adotaram e hoje conhecem como “chá das cinco”.

A rainha também introduziu o consumo da geleia de laranja (adorava laranjas, que sua mãe lhe enviava constantemente de Portugal). [Eu nem sabia que tinha um gosto tão “real” (da realeza), tão aristocrático! Adoro geleia de laranja amarga!]). O uso dessa iguaria, que os ingleses designam erroneamente “marmelade” (usando o termo português marmelada); a marmelada portuguesa já tinha antes sido introduzida no Reino Unido, foi levado à Inglaterra pela Infanta portuguesa. Catarina tinha o costume de fazer compotas dessa fruta, guardando as de laranjas doces para ela e suas amigas e damas de companhia, e reservando as de laranjas amargas para as inimigas, sobretudo as concubinas reais.

  Mas a verdadeira revolução cultural que a nova rainha da Inglaterra fez na corte inglesa foi a introdução do uso dos talheres, pois até então, os ingleses, mesmo a realeza e a aristocracia mais fina, comiam com as mãos, levando os alimentos à boca com três dedos (polegar, indicador e médio) da mão.

O garfo já era conhecido, mas só para trinchar ou servir a comida, porém na Corte portuguesa Catarina já estava habituada a utilizá-lo para levar os alimentos à boca, e em breve todos começaram a seguir o exemplo da nova rainha da Inglaterra.

Ela também introduziu na Inglaterra o tabaco, e dentro de pouco tempo todos os ingleses levavam sua caixinha de rapé no bolso do colete.

Em Portugal, o uso era comer em pratos de porcelana, muito mais higiênicos do que os pratos de ouro ou de prata usados na Inglaterra para esse fim; com a Infanta, os ingleses aprenderam a utilizar a louça de porcelana (“fine china”), que logo se generalizou.

Era um costume da Corte Portuguesa a realização de saraus, reuniões literárias ou musicais, em que se ouvia ópera; a rainha levava em seu séquito uma orquestra de músicos portugueses, então foi assim que se ouviu a primeira ópera na Inglaterra, outro legado cultural deixado pela infanta portuguesa aos ingleses.

Ela influiu até na maneira de vestir das inglesas, escandalizando a corte inglesa por usar saias que mostravam os pés, o que se considerava de mau gosto (diz-se que devido ao grande tamanho dos pés das inglesas, comparados com os pezinhos da infanta portuguesa).

Além disso, o dote de Dona Catarina compreendia uma exorbitante quantidade de dinheiro, e incluía a cidade de Tânger, na África, e a ilha de Bombaim, na Índia. Com isso, depois de receber a estratégica Bombaim dos portugueses, o rei inglês Carlos II autorizou à Companhia das Índias Orientais a aquisição de mais territórios, nascendo assim o Império Britânico.  

Algumas obras portuguesas e estrangeiras sobre a vida da Infanta Catarina fazem referência às desconsiderações que ela sofreu do marido, devido ao fato de este manter diversas concubinas, o que com certeza a incomodava e entristecia. Diz-se, porém, que com o tempo ela adquiriu uma sabedoria muito especial para lidar com a situação. Alguns biógrafos lembram como justificativa que assim eram os usos da época, e que “amor no casamento de monarcas e imperadores era um luxo – quase sempre, as rainhas deveriam aceitar essa situação como normal. Mas, a informação que se tem é de que ela era uma mulher muito influente na corte inglesa e no sucesso do marido à frente do governo daquele país. Dizem, inclusive, que o rei, por diversas vezes, foi instado (por amigos ou pela família) a divorciar-se dela, mas ele nunca o fez, afirmando que não tinha motivos para dar esse passo, deixando isto a impressão de que, à sua maneira, ele amou a sua rainha.

Quando, já viúva, ela voltou a Portugal, foi recebida com manifestações de carinho e alegria, tanto pelos portugueses quanto pela comunidade inglesa. Na Inglaterra, ela teve em sua despedida todas as honras prestadas a uma rainha e trouxe, no seu séquito, ingleses que permaneceram por vários anos em Portugal.

A popularidade da rainha chegou até aos Estados Unidos, onde o bairro Queens, de Nova York, recebeu esse nome em sua homenagem. Esse parece ser um dos tributos rendidos pela Inglaterra – na principal de suas colônias – à rainha portuguesa que eles mesmos, no princípio, rejeitaram. Em 1988, a associação “Friends of Queen Catherina” fez uma arrecadação de fundos para erigir uma estátua da infanta.

Toda essa história de vida nos ensina que, apesar da cultura reinante no mundo inteiro, vários séculos atrás, o gênero feminino tem-se destacado através de mulheres como Catarina Henriqueta, que, com uma firme personalidade, conseguiu imprimir sua presença até os dias de hoje em uma sociedade que não soube aceitar imediatamente as diferenças, mostrando uma clara rejeição por ela, mas que terminou rendendo-se à imponência da sua figura influente de jovem mulher e rainha.

Essa história também nos lembra que hoje, como sucede em toda a humanidade, até mesmo entre os países existe certa hierarquia ou divisão em classes, sendo alguns considerados “de primeiro mundo” ou até “terceiro”, como sucede com as nossas nações latino-americanas. Assim, os conceitos adotados no mundo são diferentes para categorizar seus países, talvez tendo em conta apenas o critério da situação econômica para classificar as nações em “ricas”, “desenvolvidas”, “em vias de desenvolvimento”, “pobres”, ou “influentes”, “poderosas”, “carentes” e outros adjetivos.

No mundo inteiro, é sabido que a Inglaterra pertence às categorias mais elevadas dos países da Europa, enquanto que Portugal faz parte de uma classificação não tão elevada, apesar de estar situada no mesmo continente.

Sem entrar aqui no mérito das atividades desse último país como berço de excelentes navegadores e conquistadores de grandes territórios repletos de riquezas e belezas naturais, nem da hospitalidade dos portugueses e do seu povo, da especialidade de sua culinária, tanto salgada quanto doce (estas herdadas pelo nosso país – o Brasil), e belíssimo artesanato – do qual os bordados da Ilha da Madeira são um exemplo e herança – estamos falando dos belos bordados artesanais, praticados pelas bordadeiras do Nordeste do Brasil, principalmente nos estados de Pernambuco e Ceará – quisemos aqui mencionar alguns fatos curiosos relacionados com Portugal e Inglaterra, os quais mostram que não poucas vezes os países menos poderosos tiveram a oportunidade de imprimir nos adiantados a marca indelével de seus costumes, do que pouca gente tem conhecimento. A história dessa mulher, que introduziu os bons hábitos de alimentação e cultura, trazidos de sua pátria e desconhecidos pelos ingleses até então, havendo ela exercido uma forte influência na Inglaterra, derruba certos mitos de poder e cultura, quase sempre atribuídos apenas aos países ditos ricos, e serve, por outro lado, para exaltar a capacidade de muitas mulheres em influenciar a vida e o sucesso de seus homens, sejam nobres ou plebeus, ricos ou pobres, importantes ou anônimos, guerreiros ou pacíficos.      

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