Laís Viegas de Valenzuela

EDUCAÇÃO DOMÉSTICA

outubro 2, 2024 | by ipsislitteris.com

“Nem tanto ao mar, nem tanto à terra” – não venho aqui protestar contra algum tipo de severa obediência a estritas regras sociais, que poderiam indicar uma espécie de escravidão a essas normas, no sentido de sentir-se obrigado a oferecer sempre uma imagem social perfeita e conquistar a aceitação de todo mundo, como uma pessoa que se subordina às mesmas, como um robô que obedece a todos os comandos sociais.

Essa atitude está na mesma linha de quem faz ou deixa de fazer alguma coisa, pensando no que os demais diriam, quando o mais importante é agir ou deixar de fazê-lo de certa maneira, porque isso parte do nosso critério, da nossa consciência de não desrespeitar os demais e de sentir-se mal com você mesmo, mas não por representar uma mera agressão das normas sociais.  O respeito aos outros deveria ser o principal cuidado de todo mundo; não aquele respeito humano que poderia às vezes indicar temor ou servilismo, mas um reconhecimento da consideração que todo mundo merece, e até constitui uma possibilidade de convivência com os outros.

Um excessivo acatamento das regras ditadas, implícita ou expressamente, pela sociedade, no sentido de procurar aparecer como o modelo ideal, zelando só por manter as aparências, pode anular a autenticidade, a naturalidade e a espontaneidade, e até mesmo a liberdade do indivíduo.

Além disso, nada é mais desagradável do que conviver – mesmo acidental ou ocasionalmente – com alguém que revela uma artificialidade de educação que vai contra todas as regras de convivência, e faz você sentir-se “pisando em cascas de ovos” tratando com ela, sentindo no ar um procedimento de clara falsidade, ou um excesso de procedimento estudado.   

As normas sociais são variáveis no tempo e no espaço – isto é, o que prevaleceu durante algum tempo como “de bom tom” pode já não estar vigente, assim como o que é válido para algumas sociedades pode não sê-lo para outras. Também variam de acordo com as ocasiões, algumas exigindo mais formalidade que outras.

Costumes tais como tirar o sapato na intimidade de uma casa familiar, botar o pé em cima da mesa de centro da sua própria casa, ou lamber os dedos ocasionalmente, colocar os cotovelos em cima da mesa, entrar e sair sem ter que pedir licença não têm a mesma gravidade em todas as ocasiões ou lugares.  Em alguns, em que a sociedade é mais formal e menos flexível, esses gestos de informalidade podem ser tomados como absoluta “falta de educação”, enquanto que outras condutas muito mais graves e que invadem o terreno alheio são tolerados nessa mesma sociedade formal que censura os costumes liberais (muito mais “graves” – me parecem – é jogar lixo na rua, deixar resíduos em frente à casa dos outros – tais como garrafas ou embalagens vazias de comida, excrementos de seus  cachorros ou gatos, ou simplesmente deixar que esses animais façam suas necessidades nas calçadas alheias), abandonar galhos e ramos de jardim nas esquinas alheias (como frequentemente me acontecia, na colônia em que moro, na esquina da minha casa), estacionar na porta de entrada ou da garagem dos demais, quando os donos da casa e  outras pessoas têm o cuidado e o esforço por manter suas casas sempre limpas, e não põem o seu carro em frente do portão dos outros! Isto, sim, constitui uma agressão e um desrespeito aos outros, e fere, incomoda, agride e provoca!

Na verdade, alguns desses gestos menos formais o que indicam com frequência é que a pessoa se sente livre de fazer o que tem vontade, sentindo-se num ambiente de confiança, onde pode agir com espontaneidade, como seus impulsos mandam – desde que não invadam o direito e o respeito aos demais – sem se acorrentar a severas regras sociais, que muitas vezes nem cabem na situação.

Então, antes de rotularmos alguém de mal educado(a), é preciso analisar as circunstâncias desse ato “reprovável” e a cultura a que pertence o indivíduo censurado; como já dissemos, há sociedades mais convencionais e rígidas, assim como outras mais flexíveis e espontâneas – o mais importante é, se do ponto de vista de um critério razoável, essa conduta constitui ou não um desrespeito às pessoas.

Não queremos com isto fazer a apologia da absoluta ausência de educação social, porque isso também cairia com toda a probabilidade na falta de respeito e de princípios, que aqui queremos defender. Só pretendemos falar em favor da espontaneidade, da autenticidade e da liberdade que devem prevalecer na conduta humana, mesmo na conduta do indivíduo como ser social, sem infringir o direito e a liberdade alheios.   

A intenção é principalmente alertar para os comportamentos, gestos, condutas, pronunciamentos e outras formas de ser, que ferem, infringem, violentam e incomodam ou invadem o campo dos outros.  Agora, muito mais importante do que ter o cuidado de não tirar o sapato na rua, falar alto ou colocar os cotovelos na mesa é preocupar-se em exercer a própria liberdade, agir com espontaneidade e conduzir-se com autenticidade, não invadindo nunca – consciente e voluntariamente – o terreno dos outros. 

É muito válida a postura de quem, mesmo sendo conhecedor dos manuais de instrução e conduta social, faz a opção por manter uma atitude mais natural, e se atreve a infringir a rigidez da cartilha de boas maneiras; analise você se a sua liberdade não estará invadindo o espaço alheio! Como uma opção pessoal, a gente pode optar por não obedecer em sua conduta a todas as regras sociais, se preferir a espontaneidade de proceder; basta saber conduzir-se razoavelmente entre as pessoas, em qualquer lugar; mover-se livremente no seu espaço, seguindo as normas de consideração aos demais, a menos que você esteja num ambiente obrigado ao mais rigoroso acatamento de normas rígidas. Aí, ou comparece a esses lugares e procura cumprir esses requisitos severos, ou então não vai a esses ambientes cuja conduta lhe constrange, a menos que a ocasião requeira que você esteja presente, como solidariedade ou apoio às pessoas a quem você não pode faltar.

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