Laís Viegas de Valenzuela

MINHA PERSONALIDADE

outubro 2, 2024 | by ipsislitteris.com

É até um insulto ter consciência de ser uma pessoa com vários defeitos – aos olhos dos outros: “difícil”, porque com frequência sou politicamente incorreta, não sou dócil, mais bem rebelde, ou por causa do que falo quando alguma coisa me desagrada, reclamo de uma situação que me incomoda ou irrita, não trato de dizer algo só para agradar (embora – porque faz parte da minha atuação sincera e franca – possa fazer só aqueles elogios sinceros, quando não me custa fazer), falo o que penso, isto é, dou minha opinião, sem disfarces nem rodeios, critico o que acho que é criticável, corrijo as pessoas quando estão erradas, principalmente na maneira de falar ou escrever.

Atrevo-me a discordar de outros, quando o que penso é diferente (o que é quase sempre, nesta terra) do que quase todos pensam. Tenho uma cabeça diferente da maioria, sobretudo das mulheres, e principalmente das mulheres mexicanas da minha geração. Por isso, quase sempre sou “chata”: não concordo com tudo, não concordo com todas as opiniões, não digo que uma pessoa é bonita se não acho, nem de um bebê, que é “hermoso”, se for horroroso. Procuro me focar, para não ser desagradável demais, nas características objetivas, como por exemplo: “cresceu muito, é muito ativo, travesso”, para desobrigar-me de comentar sobre seu aspecto físico (as pessoas não entendem que ninguém tem a sorte ou a obrigação genética de nascer bonito! Existem outras características também apreciáveis!). O pior de tudo é que tenho consciência de não ser uma pessoa desagradável – embora algumas pessoas me achem assim – mesmo com todas essas características de sinceridade e franqueza, geralmente tão difíceis de serem aceitas e particularmente onde eu vivo, sei que há muita gente que sabe me apreciar e querer.

Não carrego comigo minha “claque”, nem preciso do aplauso da  humanidade, basta que algumas pessoas me queiram e me aceitem como sou, ou às vezes nem mesmo isso.

Posso ser, por algumas pessoas, considerada “pão duro”, porque tenho horror a desperdício; procuro não estragar nada, posso repetir no almoço de dois ou três dias da semana a comida que tenho no refrigerador, “transformo” (como me ensinou Lavoisier) as comidas em outras, para variar o que elas foram originalmente; guardo o restinho (pra que jogar fora, mesmo o pouco que sobrou?) de leite que sobrou na leiteira do café da manhã, torro o pão do dia anterior e posso transformá-lo numa deliciosa torrada com manteiga ou geleia, ou aproveito de alguma outra maneira.

Nunca jogo fora (às vezes, passo adiante) meus móveis de há muito tempo, até “herdados“ – não comprados originalmente por mim – mas reformulo, remodelo, mando estofar de novo os sofás, estofar a cabeceira de camas velhas, pintar aquela antiga cama de latão que já estava meio oxidada; a ponto de as pessoas pensarem que vivo comprando móveis novos ou que meus móveis “renovados” foram comprados na loja mais moderna de decoração; troco os adornos de um quarto para outro, lavo e coloco em uso, em um jarro diferente,  aquelas flores de seda que estavam há muito em uso ou guardadas,  desidrato as flores que já foram frescas e faço belos arranjos de flores e varas secas, de forma a manter minha casa sempre agradável e aconchegante.

Cuido bem da minha roupa, de forma que me dura uma eternidade, uso-a com acessórios ou complementos diferentes, mais novos, a fim de aproveitá-la bem;  não me preocupa vestir o que está na moda, a ponto de só usar o que estão usando (ainda sem gostar, ou vendo que não me fica bem, só para não parecer “demodée”).

O pior (ou o melhor) de tudo é que pareço andar sempre na moda, com relativa elegância, com esses artigos que quase ninguém quer.  Algumas das minhas roupas já me duraram 10 ou 15 anos, mas, de tão clássicas, tiro do cabide para usar com aquela linda blusa italiana relativamente nova, ficando um charme…  

Talvez seja até “ridícula” (aos olhos dos outros), porque há muito passei dos sessenta (que já é mais do que “o limite máximo permitido”) e posso comprar roupas até mesmo em departamentos ou lojas especiais para “young people”, ou uso roupas e sapatos tanto de boas lojas quanto de mercados ou mesmo compradas em calçadas de ruas.

Cuido da pele, do cabelo, do corpo, usando – mesmo que não obrigatoriamente diários  – cremes e loções que me ajudam a ver-me bem, pinto o cabelo, pinto o rosto, uso batom vermelho, rímel, delineador, unhas vermelhas, azuis ou verdes,  e todas aquelas coisas com que eu me vejo bem, apesar de “proibidas” para certas faixas de idade.  Mesmo sendo avó, nunca tive a oportunidade – embora gostasse – de dedicar-me a cuidar dos meus queridos netos, ou porque ou nasceram longe (em outras cidades) ou porque agora já podem se cuidar sozinhos. 

Tenho interesses muito diversificados em vários campos do conhecimento ou profissionais ou do entretenimento ou da moda, ou de leitura, música, poesia, novelas, filmes, esportes, noticiários e programas culturais (quando não me matam de tédio ou de chatice), programas diversos de televisão, algumas vezes com fins de atualização e diversão.  Não gosto da cultura pela cultura em si, mas sim quando me causa prazer, e a isso posso dedicar horas (ler – um livro interessante, ouvir – uma música bonita, agradável, melodiosa, ou palestras inteligentes e interessantes – tipo as do Leandro Karnal – ou de alguma outra forma aprender): um noticiário bem feito, um programa cultural interessante, ou outras.

Trabalho, e não só pelo dinheiro, muito mais pra poder me dar a independência de que eu preciso pra comprar o que eu quero quando quero, mas também para me sentir produtiva e exercer sempre uma atividade para me distrair, me ocupar e me dar uma oportunidade de aprender mais.

Adoro ser diferente da maioria, usar coisas que quase ninguém se atreve a usar, e – o pior – é que acho que fico bem assim. Não obedeço cegamente às regras sociais e faço certas restrições ou oposição ao fato de “se” ter que proceder de tal maneira (“se usa isto”, “se tem que fazer assim”, “se costuma” etc.). Gosto de ter uma mente livre, para pensar, fazer ou proceder como tenho vontade – sempre respeitando o terreno alheio –e não em obediência a leis ou normas ou hábitos sociais.  Em suma, não me deixo governar pelos padrões vigentes.

Não devo ser também uma esposa “fácil”, porque às vezes “lembro” comportamentos, não sentimentos, mas condutas compatíveis com os sentimentos: se gosto, por que não dizer? Se estou contente, por que não mostrar? Se sinto falta, por que não demonstrar? Se quero, por que não insinuar ou dizer?

Às vezes, sinto que minha “chatice” não consiste exatamente em meus defeitos, mas em minhas qualidades: falo e escrevo bem e por isso corrijo quem fala e escreve mal. Mas ninguém aceita. É curioso como todo mundo pode corrigir os demais em qualquer outro campo do conhecimento: matemática, economia, política, história, ciência, física, biologia, psicologia, filosofia, mas não no campo da linguagem. Isso é motivo de ressentimento ou indignação, e é um dos aspectos em que a maioria das pessoas erra, mas não admite ser corrigida. Como se este fosse um campo do domínio público, em que todo mundo tem maestria, quando é justamente ao contrário: é aí onde os erros são mais frequentes, e, na maioria das vezes, crassos.  É aí onde todo mundo, com raríssimas exceções, comete enganos e deslizes. Mas que coisa “chata” a pessoa que põe os outros no lugar, em matéria de língua e linguagem!

E que dizer da reação daqueles que se põem a fazer citações em línguas estrangeiras, cometendo erros?  Claro, ninguém é obrigado a saber a língua dos outros: latim, francês, inglês, italiano, alemão, concordo. (Eu, por exemplo, quando não conheço do assunto em discussão, me calo, numa clara demonstração de minha ignorância do tema). Então, por que não limitar-se a falar a sua língua, se não tiver absoluto conhecimento dos outros idiomas, se não os conhece bem? Aí chega a “chata”, com o único que ela sabe, e mostra os erros.  Mas, se alguém quiser ser pedante, parecer realmente erudito ou culto, então aprenda e faça citações corretas, ou se limite a falar com propriedade o próprio idioma, pra não correr riscos.

Também sou “chata” por ser organizada: que casa insuportavelmente bonita, arrumada e bem decorada! E o pior: que funcionalidade! Que mesa intoleravelmente bem posta, impecável! Elegante demais! E nem é devido a tanta finesse! (Basta não pôr vasilhas de plástico na mesa, nem guardanapos e pratos de papel).

Também, não utilizo mesmo essas coisas, para poder colocar em uso os velhos jogos de jantar, chá e café, faqueiros e copos acumulados ao longo de tantos anos! (Que falta de praticidade!!!) Outro jarro novo?  Não, estava no meu quarto, com aquelas flores que estão agora na sala de jantar.  Estreando castiçais?  Só fiz limpar e mudar as velas. Por ter um razoável bom gosto na indumentária: Que pecado! Estreando outra roupa?  Não, só a blusa. A saia tem 200 anos.  Ou: outro sapato/abrigo novo? Não, dos invernos passados, no verão não dá pra usar , por causa do calor que faz; aí ficam guardados, pra usar novamente depois… Que imodéstia intolerável!

Já me resignei e tomo as perguntas e observações como elogios ou despeito, por saber aproveitar como novas as minhas coisas do tempo de Matusalém…

Enfim, estou muito consciente de qual é o meu principal problema: tenho uma autoestima insuportável!!!   

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