Laís Viegas de Valenzuela

Vida e morte severina

outubro 15, 2024 | by ipsislitteris.com

Eu sempre tenho vontade de escrever, mas nem sempre me vem a inspiração: hoje, por exemplo, eu gostaria de escrever não sei bem sobre que, mas cadê que me surge um tema, ou uma ideia, mesmo vaga, sobre que assunto escolher? A minha vida poderia ser um tema de muito “pano pras mangas”, mas já escrevi muita coisa sobre mim, de uma maneira ou de outra. Acho que a minha felicidade sempre acaba redundando em temas materiais, porque sob este ponto de vista sou atualmente muito favorecida: meu marido me proporciona tudo que significa conforto material, e eu mesma disponho de alguns trocados para satisfazer minhas necessidades, ou só mesmo vontades. Agora mesmo, acabo de comprar um computador, ao meu gosto e para a minha condição de vista cansada e minha comodidade; um exaustor para a cozinha, que devido à troca do nosso fogão já não se adaptava ao novo (a tampa dele não podia levantar-se bem, dada a altura da antiga coifa, que era mais baixa que o tamanho da tampa). Meu marido comprou o fogão, para melhorar o nosso conforto, só porque o outro que havia já não dispunha de acendimento eletrônico, obrigando a usar fósforo ou os acendedores de gás; completando a cozinha, comprei uma nova panela de pressão!

Não é que esses objetos materiais preencham a minha satisfação emocional, mas reconheço que o conforto material propicia uma certa “felicidade”, nem que seja pelo fato de tornar mais fácil ou confortável, ou prático, ou até mesmo bonito o trabalho doméstico: um computador novo oferece mais velocidade, ao abrir ou ao executar um trabalho; um fogão mais recente se vê mais brilhante e limpo (e dá mais vontade de mantê-lo sempre assim); uma nova panela de pressão é mais eficiente e mais veloz do que uma coisa velha e gasta, parece que dá mais ânimo para cozinhar. Ou será que sou eu a única pessoa a pensar assim? Talvez o meu sentido estético esteja muito presente nas minhas exigências e, portanto, na minha satisfação emocional. Parece que uma casa limpa, confortável – como a minha é, para mim – desperta até o meu bom humor (na verdade, eu nunca sou uma pessoa de mau humor!), e me dá mais entusiasmo para fazer mais por ela. Será que a minha mente é tão louca que vê, em todas essas coisas enumeradas, um motivo para ser feliz? Ou é que a felicidade é feita mesmo de pequenas coisas materiais, às vezes tão difíceis de adquirir para algumas pessoas, e nem tanto para outras? Ou será que em minhas cogitações (ou na falta delas), eu sou uma pessoa que pensa durar eternamente, e que sempre vou tirar muita alegria, proveito e satisfação do que é tangível e “funcionável”, e que é sempre necessário ocupar-se das coisas visíveis, como se “o mundo nunca se fosse acabar”?

Penso que sou muito consciente de todas as coisas que me sucedem ou que podem suceder na minha vida, mas irresponsavelmente não me ocupo nem me preocupo atualmente, quero dizer, nesta etapa – mesmo tardia – da minha vida, com “o fim do mundo”. Vivo a vida como se ela fosse durar eternamente, mesmo já tendo perdido várias pessoas queridas, como a minha filha, meus queridos pais, a minha neta, amigos queridos, aqui e no Brasil, a minha pátria amada. Acho que tenho muita consciência de que a morte é inexorável, para todo mundo, mais cedo ou mais tarde, e nas mais variadas ou inesperadas circunstâncias. Mas, não sei por que, não é uma coisa que me preocupe muito, embora esteja certa desse acontecimento, fatalmente (no sentido de certo, sem nenhuma dúvida).

Por outro lado, quero aproveitar com toda a voracidade o tempo que me resta, trabalhar enquanto me for possível, arrumar a casa quase como a “casa de bonecas” do Ibsen, assim querendo aproveitar o tempo, numa atitude contraditória: pensando talvez que o segundo tempo está prestes a se esgotar, ou então como se ele nunca se fosse acabar e eu fosse durar para sempre!

Bom, mas voltando à minha agradável vida, não conheço ninguém que seja como eu, que tenha esta cabeça tão livre desse tipo de preocupação. Sinto que sou mesmo irresponsável, e confesso que gostaria de estar mais envolvida com o assunto, sabendo que não vou durar para sempre e, também, por outro lado, que já estou numa fase em que as probabilidades de desaparecer da vida são maiores que da maioria dos que conheço.    

Mas, enquanto a morte não me ameaça com tanta pressa, vou aproveitando esta existência com toda a força e os instrumentos que a vida me dá, desfrutando de toda a felicidade que ainda sinto dentro de mim, enquanto a morte não vem (procedendo como numa brincadeira da minha infância, em que a gente cantava: “vamos passear no bosque, enquanto seu lobo não vem”!).

RELATED POSTS

View all

view all