Laís Viegas de Valenzuela

Sonhando de sonhar acordada

novembro 21, 2023 | by ipsislitteris.com

Eu gostaria de ter, todos os dias, ideias para escrever, fosse o que fosse: artigos, comentários, crônicas etc. Mas nem todo dia me vêm à cabeça bons pensamentos para escrever; parece que minha cabeça secou, mirrou, que não tem mais nada dentro que eu possa dizer a ninguém. Entretanto, eu escrevia como quem está vomitando ou com diarreia, que tem que botar tudo pra fora. Ou será que é o ambiente que não me permite escrever o que eu tenho vontade?

Mas, que ambiente? Moro numa casa grande e muito boa, bonita e bem arrumada, agradável e aconchegante. Tenho um quarto acondicionado para escrever, com dois sofás, um baú, uma parede/estante de madeira com porta-retratos e adornos, meu computador e uma impressora, além de um escritório (outro espaço físico), próprio para trabalhar, quando faz bom tempo. Ainda bem que eu já escrevi muitas coisas e assim pude compor meus dois livros, senão estariam vazios de sentido; não vou copiar os outros, inteligentes como o Rubem Alves, ou como a Martha Medeiros, que escreve lindamente, com ideias brilhantes, sobre fatos tão corriqueiros que ninguém acharia nem que devia mencionar. Mas aí é que está a verve literária, que parece que eu perdi: escrever todo dia, seja sobre que assunto for. Nem precisa ser nada transcendental, pode ser uma coisa banal, para fazer os outros se interessarem, coisinhas simples, maluquices, mesmo. A minha cabeça parece que está se esgotando, mas eu não posso acreditar nisso, pois há muita gente que escreve sobre fatos simples e saem coisas bem agradáveis, mesmo a uma avançada idade, como a minha!

Tenho que me propor a exercitar o ato de escrever, nem que seja pelo hábito de obrigar o pobre cérebro a trabalhar, como um escravo. Falar nisso, eu gostaria de saber mais sobre a escravatura, ou ter ideias sobre ela, para poder escrever tudo que eu quisesse. Tenho que ler e me informar sobre esse antigo regime brasileiro.

Como é que um cérebro fértil – como a minha capacidade de ter filhos – se esvaziou assim? Parece mentira! Também estou estéril quanto à minha capacidade de decorar; neste campo, eu ainda sinto ideias que podem vir de onde venham, mas quanto à escrita estou um pouco seca, como Yerma, de Garcia Lorca, que dizia que estava seca por dentro, porque perdeu a capacidade de procriar. Eu estou estéril de ideias, me falta a fecundidade das mulheres jovens para parir tanto quanto já o fiz antes (6 filhos, que para os dias de hoje eu acho bastante). Eu gostaria de alguma coisa que me recordasse a minha abundância anterior, de parir filhos e ideias, de tudo o que me vinha à mente, que não era pouco. Agora, são só umas gotinhas, como esses chuviscos que começam e acabam sem muita vontade, só com uma espremidinha nas nuvens.

Parece que não há muita fertilidade nesta casa, e até a minha capacidade de sentir prazer arrefeceu um pouco. Parece que agora eu cheguei a uma fase de muita “espiritualidade”, como se fossem coisas incompatíveis. Não tem nada que ver! E isso não existe, nem da minha parte, nem do meu marido. Eu o amo muito, e esse sentimento é recíproco, apesar do longo tempo do nosso casamento. Não sou como o  Leandro Karnal, que não acredita no casamento (isto é, ele acha que é a única coisa capaz de acabar com o amor, como opinou uma vez a respeito do celibato dos padres); por outro lado, não acredita no amor do casamento. Diz que o casamento acaba quando a mulher começa a lavar as calcinhas no banheiro, passa a usar Crocs, o que para ele (Leandro) já indica o fim da vida conjugal. Aliás, ele é muito cético quanto às uniões, parece que não crê em nada do que seja romântico, só em coisas que o levam a acabar, numa relação estéril como ele pensa; parece que só acredita em pessoas intelectuais e bonitas, acho que é isso. Vou me dedicar a escrever todo dia, pois parece que assim eu posso usar o meu abençoado cérebro fértil de ideias, como são férteis o meu corpo e o meu aparelho reprodutivo, que só parou mesmo cortando as trompas, senão estaria parindo até o fim dos meus dias. Eu poderia ter mais filhos do Alberto, montes de filhos, já que ele tem condições de alimentar e manter. Curioso como nem todas as coisas se dão no momento certo: eu, que tinha uma facilidade enorme para conceber e parir, não tinha dinheiro para sustentar. Agora, que tenho dinheiro para sustentar, já não posso conceber nem parir. Mas, se o mundo permitisse que as pessoas férteis começassem a botar filhos no mundo, como os pobres, coitados, não haveria comida para alimentar todos (parece que Malthus tinha razão), mesmo que trabalhassem como eu trabalho, e que tivessem as nossas condições para manter.

Mas não era bem sobre isso que eu queria falar não, isso foi uma enorme digressão, esperando que as boas ideias me venham à cabeça; acho que eu queria falar era sobre as coisas do Brasil, que é o meu país amado, que eu adoro, e por isso adoro saber das suas coisas vantajosas, como as abundantes e exuberantes florestas e praias, lagos e lagoas, cascatas, rios e gente. Mas, não tem jeito: hoje não sai, só puxando com um gancho, como se fosse pra desentupir.  Eu às vezes me sentava e começava a escrever: escrevia mil e poucas palavras, como uma desesperada. Agora, só digo besteiras, que quase ninguém quer ler. Mas, pelo menos, já foi um exercício de escrita. Tenho que me acostumar a sentar todos os dias ao computador e desfiar um rosário nem que seja de asneiras. Mas o que é bom é escrever aquilo que a gente está gostando, pois assim sabe que os outros também irão apreciar. Assim como a Martha Medeiros, que escreveu sobre a saudade que dói: saudade de quem foi embora, mas só se você gostava dele, senão não teria aquele sofrimento de que ela fala, seria só uma lembrança boa, uma saudade suportável, que não doeria, pois não era a falta de quem você gostava. Taí: eu podia escrever imaginando como seria me separar do Alberto, para ver se ainda gosto dele como eu gostava antes e como ele gostava de mim; lembrar das coisas e momentos que a gente já desfrutou antes de chegar a  esta acomodação, que é um pouco agora a nossa vida de casados; eu queria que tudo voltasse: aquela paixão louca que eu sentia quando estava grávida do Beto, que me dava um frio na barriga só de me lembrar como seria quando ele chegasse lá pra me visitar. Como foi bom o nosso começo, nosso meio, mas, como será o nosso fim? Também não quero nem pensar!

Não tenho que pensar nisso, pois eu não vou determinar nem o tempo nem a causa da minha morte, nem a dele, tudo acontecerá quando a vida decidir que já é tempo de cessar, de deter o relógio. Incrível é como uma pessoa como eu, que não acredita em destino e atribui tudo à nossa forma de viver e encarar as coisas que a vida nos vai traçando… (não, a vida não nos traça nada, quem traça é a gente. Isso foi só um engano de dedo ao digitar; eu ia dizer trazendo e saiu traçando). Acho que a morte, sim, é uma questão de fado: a gente vai morrer quando e como ele traçar e determinar (às vezes também depende de como a gente se trata, de como se comporta, não se expondo a situações de extremo risco, ou também de como encara este passeio divertido e às vezes difícil de caminhar chamado vida; creio que todo mundo tem um pouco de responsabilidade sobre a duração da sua vida). Bom, mas eu ia dizendo que a vida não nos traça nada, pode quando muito trazer, porque as coisas vão acontecendo, meio independentemente da nossa decisão, porque nem tudo depende de nós: se chove ou se faz sol, não depende da nossa vontade. O que a gente pode é programar as atividades para um dia de sol ou de chuva: por exemplo, se faz sol, posso programar um passeio ao ar livre, um café no jardim; se chove, posso planejar ver um bom filme, ouvir uma palestra e traçar outras atividades para fazer dentro de casa. A nossa vida sempre depende da gente, embora não possamos determinar as condições meteorológicas do dia; o que podemos é aproveitar esse tempo chuvoso ou assoleado, para desenvolver ações que sejam compatíveis com o que a meteorologia nos oferece. Tenho que fazer como o vendedor ambulante de uma das minhas escrevinhanças: se fizer sol, engraxa sapatos; se chover, vende lindas sombrinhas de plástico, ou de tecido. O que eu não posso é me prender em casa, sem fazer nada, só porque o céu disse hoje que iria chorar todo o tempo… Eu não tenho que chorar com ele, se não estiver triste, então arranjo uma atividade para fazer dentro de casa, para me contrapor à sua tristeza.  Ou então, juntar-me à alegria dele, fazendo um piquenique no jardim. De qualquer modo, aproveitei bem o clima que o dia me mandou…

Acho que saí um pouco do itinerário do começo: parece que já comecei a dizer coisas que não têm muito que ver com a minha preocupação do início: de estar sem ideias, seca como um deserto, para escrever. Depois continuo, para ver se encontro um caminho cheio de flores para seguir…      

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