Laís Viegas de Valenzuela

O IF do Jô Soares

outubro 1, 2024 | by ipsislitteris.com

Com licença, Jô Soares! Obrigada!

Vou publicar esta paródia do poema IF, de Rudyard Kipling, escrita pelo nosso querido Jô Soares, um dos maiores intelectuais e humoristas do nosso país, e cuja ausência nos fez tanta falta, pela graça que tinha a capacidade de produzir, e pelo senso de humor que fazia todos os brasileiros rirem às gargalhadas; esses versos já foram feitos há alguns anos, mas continuam completamente atuais, tão vigentes nestes tempos de penúrias no nosso querido país, como se tivessem sido escritos hoje. Só é preciso mesmo atualizar as doenças (de malária e escorbuto para Zika e Chikungunya) e os cruzeiros para reais. Lembrar que essa paródia é dos tempos do Fernando Collor, em cujo governo o Jô também parodiou o nosso poeta Gonçalves Dias (na sua Canção do Exílio) com a sua “Saudade da Casa da Dinda”!

JÔ SOARES

RELEMBRANDO KIPLING

Se tu consegues conservar a calma

ao ler diariamente o teu jornal

e mesmo que te aperte e doa a alma

tu vais para o trabalho habitual;

se ao ver que aumenta sempre a ladroeira

consegues mesmo assim ter paciência

até quando é bem grande a roubalheira

como nas fraudes, lá da Previdência;

Se, estoico, enfrentas filas na calçada

só para ser tratado no instituto

e chegas cedo, bem de madrugada,

sofrendo de malária ou de escorbuto;

se adquiriste tua habitação

com auxílio do governo, em crediário,

e pagas, sem queixume, a prestação,

que reajusta mais que o teu salário;

Se tudo aumenta um pouco em toda parte

e sobe o preço do supermercado,

mas tu resistes bravamente ao enfarte

enquanto teu salário é congelado;

se após a tua luta rotineira

em busca dos cruzeiros tão sofridos

tu voltas para casa, é quinta-feira,

e assistes ao horário dos partidos;

Se votas para um novo presidente

com fé e uma esperança renovada

e no primeiro dia, ainda contente,

tens logo tua poupança confiscada,

mas segues assim mesmo confiante

sem reclamar, sem queixas, sem muxoxo

apenas porque o novo governante

aos gritos, diz que tem aquilo roxo;

Se aguentas tudo isso e lá no fundo,

mesmo explorado, exausto e sem dinheiro,

pensas que este é o melhor lugar do mundo,

não és louco, não, meu filho: és brasileiro!

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